Para alguém que dispôs do equipamento público para uso privado com tanta desfaçatez, chama atenção a escalada demagógica de Aécio Neves em defesa da ética e da moralidade. A prisão de Delcídio do Amaral e o acolhimento do pedido de impeachment por Eduardo Cunha reacenderam a chama golpista no coração do senador.
Numa entrevista a uma rádio de Pernambuco, Aécio se referiu ao ex-colega Delcídio como “chefe de uma grande máfia”.
“O sentimento foi primeiro de perplexidade, quase que de descrença em relação ao acontecido. Depois, quando os documentos começaram a ser distribuídos, o sentimento passou a ser de indignação”, disse. Aproveitou para reforçar a necessidade de afastamento de Dilma.
A planilha dos vôos do governo Aécio em Minas Gerais, entre 2003 e 2010, é uma aula de tráfico de influência e patrimonialismo. Foram 1430 viagens ao todo, 110 com pouso ou decolagem do aeroporto de Cláudio.
Em pelo menos 198 ocasiões ele não estava a bordo. E, numa delas, em 7 de junho de 2006, quem estava ali era Delcídio do Amaral, num vôo solo no Rio de Janeiro no Learjet (um dos jatos do estado; Aécio também costumava liberar o helicóptero e um turboélice).
Um ano antes, o petista ganhara projeção nacional ao presidir a CPI dos Correios, que apurou o mensalão. Estava, na época do passeio pago pelo contribuinte mineiro, licenciado do Senado para disputar o governo de Mato Grosso do Sul (seria derrotado no primeiro turno por André Puccinelli, do PMDB).
Um decreto de 2005 estabelece que as aeroves destinam-se “ao transporte do governador, vice-governador, secretários de Estado, ao presidente da Assembleia Legislativa e outras autoridades públicas” e servem “para desempenho de atividades próprias dos serviços públicos”.
O que Delcídio, de licença, estava fazendo com um avião de Minas no Rio de Janeiro?
Essa é uma pergunta que os dois, Aécio e Delcídio, podem responder. Eles não eram, aparentemente, amigos íntimos, como era o caso de Acciolly, por exemplo, padrinho de casamento do tucano e usufrutuário da Aeroneves.
Mas há o registro de uma nota da colunista Mônica Bergamo em 22 de fevereiro de 2006 do camarote do concerto do U2 no estádio do Morumbi que ajuda a entender um pouco como a coisa funcionava:
O governador de MG, Aécio Neves, emendou uma festa na outra e veio direto do Rio para o show do U2. “É impressionante a energia dele”, dizia Maika, mulher do senador Delcídio Amaral, presidente da CPI dos Correios. “Resolve o problema de um, resolve o problema de outro…”.
O problema, ali no camarote, era obter uma pulseirinha amarela que dava acesso à “hot area”, bem em frente ao palco, destinada aos fãs mais ardentes da banda, escolhidos entre aqueles que chegaram uma semana antes e que acamparam na porta do Morumbi, por exemplo.
O moralismo de Aécio Neves estava adormecido ou de ressaca? Basta ver, por exemplo, a quantidade de viagens de Ricardo Teixeira nas aeronaves: seis, nenhuma com a presença do governador. Teixeira já era Teixeira (eis aí, aliás, um ponto em comum entre Aécio e Delcídio: a amizade com o capo da CBF).
Em 2006, Aécio seria reeleito para o governo de MG e o PSDB vivia uma pax romana com o PT no segundo mandato de Lula. Mas quem dá a pista da cortesia com o chapéu alheio daquele Aécio de nove anos atrás é a senhora de Delcídio, Maika — a mesma que culpou Dilma pela desgraça do marido: Aécio “resolve o problema de um, resolve o problema de outro…”