A polícia de Santa Catarina prendeu Matheus de Ávila Silveira, acusado de matar o indiozinho kaingang Vítor Pinto na rodoviária de Imbituba, no sul de Santa Catarina.
Ele é um desempregado de 23 anos, paciente de um posto de saúde municipal. Não conseguia ficha para psiquiatra e relaxava na medicação.
Seu perfil no Facebook, sob o codinome Moxa Zombiie, indica uma mente perturbada. Numa imagem, ele homenageia os adoradores das trevas. Parentes dizem que ele é viciado em drogas e alcoólatra. Vivia na rua. No ano passado tentou matar os pais a facadas.
O crime ocorreu na antevéspera do ano novo. Imagens da vigilância do terminal mostraram o incidente e ajudaram na identificação do suposto autor.
Vítor estava com a mãe em frente à rodoviária, cerca de meio-dia. Vitor brincava embaixo de uma árvore quando um homem se aproximou. Chegou sorrindo, disse a mãe. Passou a mão na cabeça de Vítor, retirou um estilete do bolso e cortou sua garganta. Depois partiu.
O rosto do criminoso não estava nítido, mas as roupas o denunciaram, diz a polícia.
Segundo o delegado Rogério Taques, Matheus confessou o crime aos PMs que o prenderam na noite seguinte, véspera do ano novo. Ele foi abordado por policiais que procuravam suspeitos com a descrição dele, enquanto vagava pelas ruas do bairro Nova Brasília.
O delegado Rafael Giordani pergunta quais as chances de outro brasileiro com o mesmo tipo físico e vestindo as mesmas roupas estar na mesma cidade. Seriam como ganhar na mega da virada, ele mesmo responde.
Vítor foi enterrado em sua aldeia, em Chapecó, no Oeste catarinense.
Na delegacia, Matheus teria alternado a confissão com negativas e falas desconexas, possivelmente por estar sob efeito de drogas. O delegado Giordani disse que não viu conotação racial no crime.
Além da tese matemática das chances de autoria, o delegado disse que está convencido da culpa de Matheus porque ele dispõe de imagens diferentes daquelas exibidas pelas TVs, mais nítidas. As da TV foram tiradas do sistema de vigilância por um celular, com qualidade mais baixa.
Familiares que viram o vídeo teriam confirmado a identidade dele.
O delegado disse que não tem dúvidas da autoria porque a roupa e a mochila do homem que aparece nas imagens atacando a criança no colo da mãe são as mesmas que Matheus usava no momento da prisão.
A polícia fez uma busca na casa dos pais e encontrou objetos que seriam provas. O delegado Giordani ainda não concluiu o inquérito, o que promete fazer até a semana que vem.
No domingo (3), o pai, o portuário aposentado Dai Silveira, e a mãe Marise, funcionária da malharia Ferju da BR101, não quiseram dar entrevista defendendo o filho.
Dona Marise se distanciou dele: “Matheus não mora mais aqui”. A confortável casa deles fica num bairro com uma vista espetacular do porto de Imbituba.
A familia está devastada com a identificação de Matheus pela polícia como o matador . Nas conversas todos o culpam, mesmo que ele não tenha assumido nada ainda.
Escrevo este texto a 200 metros da casa dos pais, na cozinha de uma tia onde Matheus passou anos felizes e viveu como um menino normal até completar a oitava série no Colégio Caice, há oito anos.
Falam sobre ele tios, primas e o namorado de uma delas, todos muito próximos, todos chorando em algum momento da conversa. Os pais de Matheus tinham acabado de sair, com rumo ignorado.
A prima mais próxima diz o que acha que foi que transformou o primo: seu próprio sofrimento em família e na escola.
“Era um menino maravilhoso, amoroso, nunca tivemos problemas, mas de repente ele se transformou. Foi vítima de bullying na escola e de violência em casa, por sua opção pelo estilo emo. De um momento para outro passou a andar vestido de preto e começou a usar drogas.”
Ela disse que os problemas começaram quando os colegas o chamaram de ‘viadinho’, lá na oitava série.
Ainda a prima: “O irmão dele ficou furioso e batia nele por causa de sua opção. Naquele momento eu não o via como gay, ele até pegava uma colega minha”. Uma tia acrescenta: “Ele nunca se assumiu”.
A menina chora e conta que “na própria casa ele era vítima de discriminação. O irmão e o pai não aceitavam o comportamento dele. O irmão batia nele até na rua, uma humilhação pública”.
Um tio também chora ao falar do sobrinho, apelidado Teto: “Aos poucos ele foi se afastando da família, por causa das agressões físicas e verbais.” Para o tio “ele não tinha carinho de pai, de mãe. Os dois só brigavam, entre eles e com ele”.
Os familiares contam o episódio mais grave de violência familiar, quando Matheus, supostamente cansado depois de quase sete anos de agressões, finalmente reagiu. Teria sido em junho do ano passado. Ele estava armado com faca.
Ele foi preso e, ao voltar, para casa, expulso dela pelos pais. Dali em diante se tornou um pária na família e passou a viver na rua.
O conselho tutelar já o tinha em seus registros como vítima de bullying e violência dos colegas na escola.
A tia disse que Matheus ainda mantinha seu próprio quarto na casa dos pais, às vezes podia tomar um banho ou trocar de roupa. “Mas eles não o queriam lá, a mãe sempre o expulsava”. Ela reproduziu um comentário escutado em família dando conta de que a rejeição ao filho teria aumentado “depois que ele foi visto beijando outro menino”.
Ainda a tia: “Cada vez que ele tentava ficar em casa era uma gritaria e uma xingação. Ele não vinha mais nos procurar, nós que estávamos tão perto, e quando não tinha onde ir, ficava vagando pela cidade”.
O tio continua chorando: “Agora querem (os pais) tirar a responsabilidade de suas costas, mas eles nunca deram carinho para este menino, nem quiseram assumir o tratamento dele”.
Uma prima conta que ele foi paciente da doutora Beatriz, no posto de saúde, que o encaminhou para um colega que tentou tratá-lo de “problemas mentais”, mas que depois o redespachou para o Capes (centro de ajuda a drogados), sem sucesso: “Ninguém quis acompanhar o tratamento dele de forma correta”.
A prima mais chegada mostra uma foto de Matheus no álbum de família, tirado em sua (dela) festa de 15 anos: “Veja que menino bonito”!
Sarah, uma vizinha ruiva, mais nova do que Matheus, diz que “fora de casa ele era um cara normal, muito legal”. Ela conta que no ano passado ele até “trabalhou como empacotador de um supermercado.
As primas dizem que o amam, mas que ele ficou insuportável porque “estava viciado em álcool e drogas, todo tipo delas, além das más companhias”. Estes seriam os drogados e os bêbados da praça central da cidade.
Não se sabe como, mas segundo a tia ele conseguiu entrar num pequeno grupo satânico da cidade (menos de 40 mil habitantes fora da temporada de vereaneio).
De emo a satânico, sua página do face traz algumas postagens pesadas. Os policiais buscaram ali alguma prova definitiva do crime, mas só encontraram pirações do jovem.
A tia conta que nos últimos tempos ele “falava sozinho”. Uma prima diz que a tia (mãe dela) pediu à mãe de Matheus para tratá-lo deste sintoma, mas que não conseguiram ficha para psiquiatra no sistema de saúde.
A prima mais próxima conta que os problemas maiores de comportamento dele se agravaram de 2014 para cá. A tia insistia com a mãe para que o levasse ao médico, “mas ela não fez nada e está aí o resultado”.
Uma prima e o primo que foram à delegacia para reconhecer a identidade dele no momento da prisão disseram que ele tentou suicídio na cela, mastigando e engolindo a esponja de um colchão.
A tia conta que antes disso ele já tentara se matar tomando medicamentos. Ela não lembra direito quando foi, mas acha que foi depois da briga em família de junho do ano passado: “Era um sinal de que ele precisava de ajuda”. Agora é a tia que chora.
O namorado da prima, um bombadão, está furioso com os pais de Matheus, a quem conhece deste o início de seus problemas de comportamento. Ele afirma que o primo postiço “sempre foi louco” e que “deve pagar pelo que fez”.
A tia diz que “não adianta querer condená-lo, todos nós queremos que ele pague pelo que fez, mas ele pode ser recuperado”.
Desde a prisão Matheus está numa cela isolada, para protegê-lo dos detentos que, no caso de morte de crianças, costumam justiçar o assassino.