Caroline Oliveira
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), concorrerá à reeleição, em outubro deste ano, ao lado do ex-coronel das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Ricardo de Mello Araújo. Longe de inspirar confiança em organizações que representam os movimentos populares na cidade, a pré-candidatura foi decidida após uma costura entre 12 partidos no Palácio dos Bandeirantes, capitaneada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Mello Araújo foi chefe da Rota entre agosto de 2017 a fevereiro de 2019. No ano em que entrou para o comando da Rota, a organização matou 68 pessoas. No ano seguinte, foram 51 assassinatos. Em 2019, quando deixou o cargo, o número de mortes subiu para 101, de acordo com o relatório anual da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo de 2019.
O Brasil de Fato conversou com representantes de movimentos populares com grande incidência na cidade de São Paulo sobre a chapa bolsonarista. O que se vê é uma unanimidade contrária aos nomes apresentados. Confira abaixo.
Uneafro
Adriana Moreira, coordenadora de Equidade Racial e Educação da Uneafro, vê com “preocupação” a ascensão de lideranças vinculadas à corporação militar no âmbito da administração pública.
Mello Araújo, em suas palavras, “assume publicamente uma conduta diferente dos policiais em bairros nobres da cidade e nas periferias, entendendo que as pessoas que moram nas periferias são menos sujeitos de direito do que as pessoas que moram nos espaços de maior prestígio da cidade de São Paulo”, afirma.
A coordenadora se refere a uma entrevista ao UOL, no qual Mello Araújo, enquanto comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), afirmou que a abordagem policial nos Jardins, região nobre de São Paulo, tem de ser diferente daquela realizada na periferia.
“É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”, disse Araújo na ocasião, em 2017.
“Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando”, complementou o então chefe da Rota.
Para Adriana Moreira, nesse momento, Mello Araújo já estava construindo a sua carreira política, o que culminou agora com a sua indicação à chapa de Ricardo Nunes, com o apoio de Bolsonaro e Tarcísio.
A especialista em equidade racial também afirma que a candidatura de Mello Araújo representa uma “distorção” na democracia brasileira. “Ter agentes das Forças Armadas disputando processos eleitorais numa democracia é uma distorção. Em muitos países do mundo, existem várias restrições para que pessoas vinculadas às Forças Armadas possam disputar processos eleitorais”, afirma.
Ela considera que o estabelecimento de limites para a atuação de militares na política é importante do ponto de vista administrativo para o avanço da democracia. “A presença de militares disputando instituições políticas e se colocando na disputa eleitoral demonstra a fragilidade da nossa democracia, ainda mais que há uma compreensão equivocada sobre o uso da força”, diz Moreira.
“Há um entendimento de que o uso da força é legítimo para sustentar desejos, vontades e disposições de uma parte que não tem dimensão do significado da coisa pública. A presença dessas pessoas vinculadas às Forças Armadas reafirma que a democracia ainda está muito vinculada à história de opressão e de uso indiscriminado da força, direcionado às populações historicamente vulnerabilizadas.”
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Benedito Barbosa, que atua como advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, também lamenta a chapa Nunes – Mello Araújo. “A gente só tem a lamentar que a cidade de São Paulo tenha, na disputa eleitoral, uma chapa dessa com esse perfil associado a extrema direita, ao negacionismo. É lamentável também que o prefeito da cidade de São Paulo, embora não seja uma surpresa, se alie figura dessa forma, desesperado como ele está para tentar ganhar as eleições em São Paulo”, afirma Barbosa.
O advogado, assim como Adriana Moreira, relembra a declaração dada por Mello Araújo ao UOL. “Infelizmente na nossa cidade, a polícia trata os ricos de uma forma, e os pobres de outra. Os brancos de uma forma, e os negros, de outra forma, com extrema violência, como a gente tem acompanhado ao longo do tempo. E a postura desse [ex] coronel, que um aliado da extrema direita, um bolsonarista, certamente traz toda essa carga de preconceito contra a periferia, contra os mais pobres, já expressado na visão dele enquanto comandante da Rota”, afirma.
Barbosa também acredita que uma possível reeleição de Ricardo Nunes, desta vez ao lado de Mello Araújo, pode representar um risco de aumento da violência da extrema direita contra as lutas populares.
“Deverá aumentar a violência ainda mais contra os sem teto, contra a população de rua, contra os trabalhadores ambulantes aqui na cidade de São Paulo. E certamente nós dos movimentos populares não queremos figuras com esse perfil governando a cidade de São Paulo. Queremos pessoas que estejam conectadas com as pautas democráticas, da participação popular e da inclusão social”, conclui.
Central de Movimentos Populares
Na mesma linha, Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), classifica a chapa como “bolsonarista raiz” e que representa “o que há de mais atrasado na política brasileira, uma política antipovo, uma política machista, racista, homofóbica, que privatiza os recursos naturais, uma política que privatiza serviços essenciais como água, energia. Aqui na cidade de São Paulo, até o serviço funerário foi privatizado”.
“É a chapa bolsonarista em São Paulo, a chapa do retrocesso, do negacionismo, que criminaliza os movimentos sociais. É aquele que disse que nos jardins polícia tem que abordar as pessoas com delicadeza. E na periferia, é tiro, bala, prisão e assassinato das pessoas na periferia”, afirma.
Frente à chapa, Bonfim defende que cabe ao “campo democrático popular” disputar a campanha eleitoral para impedir o que chama de “retrocesso” na cidade de São Paulo, no próximo pleito. “Nós, dos movimentos populares, não mediremos esforços para impedir o avanço do retrocesso e de uma política antipovo na cidade de São Paulo”, diz.
Marcha Mundial das Mulheres
Maria Fernanda Marcelino, militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), não vê surpresas na chapa Nunes – Mello Araújo. A história afirma que a gestão de Ricardo Nunes foi marcada pelo conservadorismo, o apoio a políticos da extrema direita, como Jair Bolsonaro, e pelo aprofundamento da precarização da população paulista. Nesse sentido, “colocar alguém da Rota como seu vice é reafirmar o que ele vem mostrando há bastante tempo”.
Para as mulheres, Marcelino acredita que se trata se uma chapa de ataque aos direitos da mulher. Como exemplo, ela cita o fechamento do serviço de aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo.
O hospital é uma das principais unidades de saúde da cidade a realizar o procedimento que, pela legislação, é autorizado em casos de gravidez por estupro, anencefalia do feto ou risco à vida da gestante. Em dezembro, a Secretaria de Saúde do município chegou a informar que a interrupção teria sido para realizar cirurgias eletivas e mutirões cirúrgicos.
“É só a gente pensar o que o seu silêncio diante do fechamento do serviço de aborto legal aqui na cidade de São Paulo, do Hospital Vila Nova Cachoeirinha. Todas as tentativas de privatização dos serviços públicos que ao fecharem precariza os serviços públicos e sobrecarrega as mulheres. [A chapa] pode representar bastante precariedade e nenhuma proteção”, diz Marcelino.
A integrante da MMM afirma que há “uma postura de extrema misoginia de tratar as mulheres como receptáculos de fetos, tratando as mulheres como sujeitos sem projeto de vida, sem sentimento”.
União dos Movimentos de Moradia de São Paulo
Por fim, Graça Xavier, da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP), afirma que a chapa entre Nunes e Mello Araújo não tem nenhuma proximidade ou participação da população. “Já parte do princípio de abordagem diferente, é apoiada por Bolsonaro e Tarcísio. Bolsonaro, que durante todos os quatro anos de governo, retrocedeu todas as políticas públicas com relação as conquistas de moradia. O Tarcísio, que implementou uma política de assassinato na baixada santista”, afirma.
Xavier também relembra a declaração de Mello Araújo ao UOL. “Como ele mesmo disse, a abordagem é diferenciada, então o que pensar de um candidato a vice da maior cidade do país? O que pensar de ser governado por um prefeito que já está governando há três anos, e que as periferias estão abandonadas, com uma série de denúncias?”
“A gente ouvir que vai ter o vice-prefeito pensando com o mesmo pensamento de logo quando fundaram a Rota em São Paulo, ou seja, que as pessoas que vivem nas periferias têm de ser tratadas de forma diferente das pessoas que moram no Jardins, é uma educação que fere os direitos humanos”, conclui a integrante da UNM-SP.
Originalmente publicado em Brasil de Fato
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