O blog do jornalista Ancelmo Gois no Globo deu um exemplo do que é enxergar o mundo de um jeito velho e encarquilhado.
Na mesma semana em que se discute a presença escassa de negros entre os indicados para o Oscar, estendendo o debate para áreas como moda e publicidade, o jornalista Tiago Rogero assina uma nota anunciando a “nova safra de Mulatas do Gois” e lembra que o concurso é a “garantia da perpetuação da espécie”.
É o tipo de texto que não chamaria a atenção há alguns anos, quando ninguém estranhava que negras belíssimas desprezadas pelas capas de revistas femininas, concursos de misses e nas passarelas das fashion weeks da vida surgissem aos montes em concursos para escolher as mais belas do Carnaval.
Sempre em trajes minúsculos e sob a alcunha de mulatas.
Se nos tempos do Sargentelli chamar uma negra de “mulata” até soava como elogio, hoje é sinônimo de mau gosto por causa do racismo implícito. A palavra, usada para designar a mestiça filha de pais negros e brancos, deriva de mula, cruzamento entre a égua e o jumento. Com todo respeito ao equino, “mulata” está longe de ser um adjetivo carinhoso.
Não há problemas em negras se exibirem como passistas ou ostentarem as formas voluptuosas nas disputas pelos postos de Rainhas do Carnaval ou Rainhas da Bateria, até porque mulheres sambando alegremente fazem parte da essência do samba e do Carnaval brasileiro.
O que provoca desconforto é a constatação de que a beleza das negras só tem espaço no curto período que antecede o Carnaval. Durante o ano, quem dá as caras nos concursos de beleza, na publicidade e nas novelas são aquelas cujas aparências seguem padrões europeus.
Há casos que beiram o absurdo, como duas peças publicitárias veiculadas na Bahia. Uma divulgava a Lavagem da Purificação, festa tradicional na cidade de Santo Amaro. A outra era um vídeo produzido pela empresa Salvador Destination para promover o turismo na capital baiana.
Na imagem usada pela prefeitura de Santo Amaro só havia jovens brancos, a maioria louros. O vídeo, por sua vez, “embranqueceu” a cidade onde 75% dos habitantes se declaram negros. Para esses foram reservados os papéis de sempre: capoeiristas, dançarinos ou vendedoras de acarajé.
São dois exemplos entre milhares.
Um vídeo produzido pela revista “AzMina” dá a dimensão de como a exaltação da mulata como símbolo máximo da folia é patética e antiquada. Nele, mulheres de New Orleans, cidade famosa pelo carnaval animado, assistem à vinheta da Globeleza.
“Sempre uma mulher negra? Por que sempre uma mulher negra?”, questionou uma delas.
“Eu acho que o fato de ser sempre uma mulher negra é degradante para as pessoas negras. É sempre uma mulher negra que tem que retratar o corpo dela dessa forma. Não é certo”, disse outra.
Enquanto a existência das “mulatas” não for observada por aqui com este olhar de estrangeiro, haverá muita gente empenhada em perpetuar a “espécie” e achar normal que certas modelos negras só apareçam na mídia uma vez por ano.