Muito se fala do conservadorismo e da xenofobia de Donald Trump entre os pré-candidatos republicanos às eleições de 2016 nos Estados Unidos. No entanto, muito além das declarações estúpidas de Trump, o seio do partido Democrata está abrigando uma disputa acirrada entre o declaradamente socialista Bernie Sanders e a preferida do partido, a senadora Hillary Clinton.
A esposa de Bill Clinton, que conta com uma máquina eleitoral mais poderosa do que o discurso progressista mais radical de Sanders, conquistou 502 delegados nos Estados Unidos conta 70 do socialista. A vitória de Bernie Sanders em New Hampshire, no começo de fevereiro, junto com o empate em Iowa, mexeu com a candidatura de Hillary. O quadro só virou em Nevada.
Para vencer as prévias, um dos candidatos democratas precisa conquistar 2383 delegados, garantindo a vaga na disputa pela Casa Branca. Apesar das diferenças, Sanders permanece sendo uma ameaça viva contra Hillary Clinton, que esperava prévias mais tranquilas.
Hillary tem o financiamento de bancos e de empresas que orbitam ao redor da Fundação Clinton, do próprio marido, enquanto Bernie Sanders tem investidores mais modestos e apoia ideias mais esquerdistas para a administração do país mais influente do mundo.
O DCM listou 10 pontos de divergência entre Sanders e Hillary:
1. Historicamente, Bernie Sanders é contra a existência da CIA
De acordo com um artigo do site Intercept, do jornalista americano Glenn Greenwald – que desvendou a espionagem digital da NSA com Edward Snowden -, Bernie Sanders fez uma campanha aberta contra a CIA na sua candidatura ao senado em 1974. A postura do socialista se assemelha à do ex-presidente John F. Kennedy, que teria desejado uma fragmentação do centro de inteligência após a operação fracassada da Baía dos Porcos em Cuba, no ano de 1961.
Mas Sanders foi além. “A CIA só serve para lunáticos de extrema-direita que a utilizam para erguer ditaduras fascistas”, teria dito o político de esquerda naquela época, em plena Guerra Fria e na mesma época dos regimes totalitários na América Latina.
O repórter Michael Crowley, do site POLITICO, conversou com Jeremy Bash, ex-integrante da CIA que é conselheiro da candidatura de Hillary Clinton, e ele comentou que esses comentários de Bernie Sanders “reforçam que ele não está qualificado para a presidência”. Bash defende a tese de que o fim da agência de inteligência teria deixado os Estados Unidos desarmado contra o comunismo e as forças da União Soviética.
2. O eleitorado democrata acredita que Hillary Clinton é “muito religiosa”
De formação pela Igreja Metodista e com ensino superior, Hillary Clinton é descrita por 65% dos eleitores do Partido Democrata, segundo um levantamento da PewResearch em 2016, como “religiosa”. Só cerca de 40% do público americano acredita que Bernie Sanders, judeu descendente de vítimas do Holocausto, prega alguma religião. O socialista não gosta de falar de suas crenças pessoais, segundo uma reportagem de Joseph Berger no jornal New York Times.
3. Os doadores de campanha de Sanders são pessoas, não empresas
Enquanto Hillary Clinton se enrola em debates para responder sobre seus financiadores de campanha, Bernie Sanders soma três milhões de dólares de fundos dados por pessoas que acreditam em sua plataforma progressista. Assim como Luciana Genro no Brasil em 2014, o socialista se recusa a receber verba de bancos e de grandes empreiteiras.
Hillary está fortemente vinculada à Fundação Clinton, império filantrópico do marido Bill que lucra milhões com palestras e trabalha junto com projetos dos fundadores de gigantes da internet, como o Google de Larry Page e Sergey Brin.
4. Bernie Sanders defende uma tributação progressiva e a elevação real do salário mínimo
Embora seja, desde 2014, uma crítica da atuação do governo Barack Obama na Síria e em países do Oriente Médio, Hillary Clinton em geral é à favor da maioria das políticas econômicas do atual governo. Thomas Piketty, o autor de “O Capital no Século XXI”, defende uma maior taxação dos ricos e afirmou em artigo no The Guardian que Sanders dá voz a essa tendência mais igualitária. O socialista também defende uma elevação do salário mínimo para US$ 15 por hora, um patamar superior aos US$ 10 de Hillary. A imagem de sua oponente dentro do Partido Democrata acaba sendo mais conservadora por isso.
5. Hillary Clinton atende interesses de bancos de Wall Street, o 1% da sociedade americana
No auge da crise econômica de 2008, que acabou com o sistema financeiro e imobiliário dos Estados Unidos, os protestos de rua levavam a população pobre e de classe média – os 99% – contra o 1% da sociedade que administram os grandes bancos e ganham com rendimentos do mercado especulativo.
Nas primárias de New Hampshire, Bernie Sanders lembrou Hillary Clinton de que ela recebeu financiamento de instituições financeiras como o Goldman Sachs para organizar palestras. A democrata, portanto, não se diferencia tanto dos republicanos quanto a sua proximidade com banqueiros.
6. Sanders foi contra a Guerra do Iraque em 2003, Hillary foi favorável
Em geral, Bernie Sanders é um opositor feroz às políticas bélicas dos Estados Unidos no Oriente Médio. Quando George Bush decidiu que deveria invadir o Iraque de Saddam Hussein, o senador Sanders votou contra.
Hillary Clinton se mostrou favorável na época e o governo Barack Obama, que ela fez parte, prometeu retirar tropas na campanha de 2008, mas não cumpriu a medida em seus dois mandatos. Pelo contrário, as ações militares intensas de americanos na região deram origem a facções como o Estado Islâmico.
7. Desde 1988, Bernie Sanders criticou as ações de Israel, que Hillary defende hoje
Hillary Clinton foi secretária de Estado do segundo governo Obama entre 2009 e 2013. Entre suas atribuições, ela defende as ações de Israel na defesa de seu território. Sanders, que apoiou a candidatura de Jesse Jackson para a presidência numa época de republicanos no poder, já criticava ações duras de israelenses contra palestinos em 1988.
Mesmo tendo origem judaica, Bernie Sanders classificou como “inaceitável” algumas ações de Israel e chegou a cortar o fornecimento de armas americanas. O posicionamento entusiasmado de Hillary deve empurrar o socialista para adotar uma postura crítica sobre esta questão nas eleições.
8. O eleitorado de Hillary Clinton é velho
De acordo com as pesquisas do próprio Partido Democrata, 84% de seus eleitores menores de 29 anos declaram que votariam em Bernie Sanders. Segundo o economista francês Thomas Piketty, Hillary é forte entre os democratas que tem acima de 50 anos. No campo progressista, Sanders tem 74 anos e é um fenômeno entre os jovens. É um senhor com ideias renovadoras e que não recusa a alcunha de socialista.
9. Hillary milita pelo aborto como um direito feminino
Embora seja conservadora em inúmeros campos, Hillary Clinton tem uma militância feminista e pró-aborto mais reconhecida do que Bernie Sanders. Quando era secretária do governo Obama, ela fez declarações públicas de que a mulher americana deveria ter a escolha de prosseguir ou não com sua gravidez.
O socialista também defende a prática, mas sem muitos atos públicos conhecidos. A posição dos dois democratas é oposta ao Partido Republicano, que possui um viés religioso protestante mais radical que tende a condenar a prática.
10. Bernie Sanders foi opositor de Alan Greenspan, diretor do Banco Central americano
Considerado um dos nomes mais poderosos da economia norte-americana, Alan Greenspan foi presidente do Federal Reserve, o Banco Centro norte-americano, entre 1987 e 2006. Alguns comentaristas acreditam que as políticas de Greenspan, herdeiro do governo Ronald Reagan, provocaram a crise econômica mundial de 2008 com a quebra do banco Lehmann Brothers.
Em 2003, o senador Bernie Sanders, de Vermont, fez um discurso em 2003 afirmando que Alan Greenspan “não vivia no mundo real” ao privilegiar milionários e não a classe média e trabalhadora dos Estados Unidos. O discurso do socialista é contundente, enquanto não há notícia de Hillary Clinton criticando desta forma.