Texto e fotos de Renan Antunes, de Paraty.
Falando em protesto, a segunda farofada contra a grilagem da praia Santa Rita pelos herdeiros do magnata da Globo Roberto Marinho foi pacífica e divertida.
A Marinha não contou o número de participantes e os Marinhos não estavam lá.
Os organizadores usaram o grupo de whatsapp “Rolezinho Santa Rita” para convocar manifestantes, conseguindo lotar a escuna Paraty Ser Feliz.
Os 40 festeiros pagaram 30 reais cada para chegar lá, singrando a baía com sua carga de melancias, frango assado e cervejas de três marcas.
Foi uma viagem alegre e barulhenta, 40 minutos do cais até aquele triplex cujo dono não pode ser mencionado sob pena de processo.
Esta indecisão do repórter procede porque uma banca de advogados representando vice-presidente da Globo, João Roberto Marinho, filho do falecido fundador, está ameaçando processar quem quer que diga que o magnífico terreno e a espetacular mansão é de alguém da família.
Ele não quer que digam que é da filha dele, a campeã de hipismo Paula Marinho.
A ação que tramita na Vara de Angra dos Reis pedindo a demolição da casa por quebrar leis ambientais e a devolução da praia ao povo poderá penalizar os donos.
Para resguardar a família, no papel o triplex pertence a uma empresa de fachada chamada Agropecuária Veine.
Qualquer pessoa que tivesse erguido honestamente aquele triplex se orgulharia de exibi-lo aos amigos, mas os Marinhos já negaram a propriedade tantas vezes que não podem mais nem confessar, mesmo contra todas as evidências.
Só na farofada apareceram mais três delas, que podem ser usadas caso um dia o MPF queira mesmo saber quem é o dono: o testemunho do marinheiro Henrique, que fez vários fretes para Paula, e os nomes de duas crianças, Diogo e Gisele, pintados na casinha da árvore, na praia – é só descobrir quem são seus pais.
A insistência dos Marinhos em dizer que a propriedade não é deles deu um bom mote para o temido MST: a organização mandou um comando de seis de seus membros no barco do rolezinho para realizar a ocupação simbólica da praia. O pessoal se pegou no “agropecuária” e aproveitou para fazer uma invasão de brincadeira.
Enquanto a Globo exibia os protestos contra Dilma até no meio do futebol, os militantes penduraram a bandeira vermelha do MST na pérgola da piscina dos Marinhos – falando em piscina, os manifestantes mediram a distância dela até a praia e são só 19 metros, menos do que os 33 determinados pela lei.
Não houve enfrentamento: o pessoal da segurança privada da mansão limitou-se a ameaçar “melhor não usarem a piscina”, deixando no ar qual seria sua atitude.
Ninguém estava para briga do lado dos manifestantes.
Piadas abundaram. Meninas recolheram o lixo da praia, queixando-se da sujeira deixada pelos donos desde a última farofada.
O triplex estava vazio.
Dava para ver cortinas de plástico rasgadas e os móveis cobertos.
A aparência descuidada do imóvel deu motivo para piadas: “Estão quebrando”. Um barbudo disse que “devem ter fugido para não nos enfrentar” – esta foi a segunda farofada em 15 dias.
No barco, o pessoal levou uma TV papelão para zoar. A telinha virou “tolona”.
Um ator encarnou um milionário americano interessado no pré-sal. Ele se fez de repórter, numa salada de críticas ao jornalismo da Globo.
Além dos dois personagens ele vestiu o uniforme de um sindicalista da Petrobrás para se queixar da outra manifestação do dia: “No fundo, querem (derrubar Dilma) para ficar com nosso petróleo”.
É preciso reconhecer o caráter nacional e o imenso alcance da Globo: no barco, havia gente que a odeia de tudo quanto é canto.
Estavam lá estudantes do MS, uma professora de Alagoas, um grupo de rapazes do Pará, uma loirinha curitibana namorada de um tocador de banjo de outras paragens, uma argentina radicada no Rio que em apenas um ano e meio de Brasil se fartou de Globo. O bando do MST veio direto de barracas de lona do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Havia muita fraternidade no ar, entre desconhecidos: salve, axé e gratidão eram muito ouvidos.
Todos partilhavam as mesmas latas de cerveja, muitos trocavam abraços por qualquer onda no mar.
Banjo, cuíca e batera se misturaram – cantaram sambão e todos os refrões da Globo, trocando as letras para críticar ao mesmo inimigo: o “jornalismo golpista da Globo”.
No barco, além da bagunça, houve um momento cabeça: oradores pediram para “desconstruir o discurso hegemônico” e a maioria parecia bem enfronhada dos meandros da operação Zelotes – tudo terminava com pau no jornalismo global.
Uma exuberante atriz carioca encarnou vários personagens globais. Hilária!
Ela criou uma cangaceira no comando da invasão da praia. Muito hilária! Globo de Ouro pra ela.
Os farofeiros pareciam saídos de uma frente de esquerda (petistas, juventude comunista, psolistas, PSTU e independentes) unidos na critica ao juiz Moro, pró Dilma, contra o golpe. Todos odiando coxinhas.
A piada do dia veio do ator que encarnava o rico americano (fazendo uma referência à confusão dos nomes dos filósofos Engels e Hegel pelos promotores que pediram a prisão de Lula): “Um homem entra na livraria e pede o livro O Pequeno Príncipe, de Maquiavel. Aí o vendedor diz ‘ com certeza o senhor é promotor'”.
O pessoal promete mais farofadas e rolezinhos até os Marinhos entregarem a praia à população e retirarem seus seguranças, de uma vez por todas.