Treze de março foi um péssimo dia para estar na Barra.
Se não fosse patético, seria um verdadeiro show e horrores: o carnacoxinha estava oficialmente aberto.
Camisas da seleção brasileira seriam suficientes para uma indumentária perfeita para tamanha palhaçada, mas eles não se contentaram: havia vuvuzelas, chapéus em formato de bolas de futebol e os mais inusitados acessórios carnavalescos.
Me senti numa copa do mundo só de coxinhas.
Mulheres – brancas, na maioria – com as unhas feitas, os cabelos escovados, os saltos impecáveis, lantejoulas verdes e amarelas e babás pobres a tiracolo, aguentando os seus filhos mimados que choramingavam sob um sol escaldante.
Eram poucos em quantidade – seguramente, não havia sequer mil foliões no carnacoxinha – mas, ainda assim, era insuportável permanecer ali.
Cartazes repetitivos e quase ininteligíveis, apitos insistentes, música ruim e gente hostil. Para completar a tortura, policiais militares e a guarda municipal em peso – porque, sim, o prefeito de Salvador (ACM Neto, Dem) empenhou todos os seus esforços para que a marcha dos coxinhas ocorresse sem nenhuma interrupção.
“Isso é tudo o que eu desprezo na humanidade”, pensei.
Virei a esquina voltando as atenções para um batuque insistente. Era uma espécie de bloquinho de carnaval, alheio à manifestação principal. Uma bandinha tocava “Pequena Eva” enquanto meia dúzia de homens e mulheres vestidos e verde e amarelo dançavam animadamente, com suas latinhas de cerveja na mão, já um tanto ébrios àquela altura.
Pareciam, como já se podia prever, completamente distantes do objetivo que pensavam assumir: a luta contra a “corrupção”. Eles não faziam a menor ideia do que exatamente estavam fazendo ali.
A manifestação dispersou-se rapidamente. Havia jogo do Bahia. Chega de “Revolução”, eles queriam futebol. Os bares chiques da Barra receberam os ricaços manifestantes de braços abertos.
Era como um desfile animado e coreografado, mas isento de qualquer ideologia. Não se via “manifestantes” realmente tomados pelo sentimento que os levou às ruas: apenas pessoas perdidas, que sorriam e gritavam insistentemente “Fora Dilma!” entre uma cerveja e outra.
Seriam eles, os batedores e panelas, cúmplices engajados e absolutamente conscientes ou apenas imbecis que se deixam alienar por pura preguiça e, evidentemente, pela odiosa síndrome dos pequenos poderes que os arremata a cada vez que vêem um negro ou pobre conquistando um diploma?
Eu sempre pensava nisso antes de ver de perto as manifestações, mas, desta vez, a resposta veio junto com as caras desorientadas que povoaram a Barra hoje à tarde: não, eles não passam de massa de manobra.
O sentimento de que estão fazendo alguma coisa pelo seu país lhes foi implantado até a medula. Eles se empenham, é verdade: desengavetam as camisas da seleção, escolhem a melhor roupa, escrevem cartazes sem nenhum sentido e vão às ruas.
Uma vez lá, eles não fazem a menor ideia do que fazer. Criados em playgrounds, leitores da Veja e espectadores assíduos da Globo, eles naturalmente não entendem nada sobre a cidadania, e acabam se prestando ao lamentável papel de servirem como marionetes para a defesa de interesses partidários.
De tão patéticos, eu até lamentaria por eles – mas ainda acho que são também responsáveis pela própria ignorância e que, além da alienação, são também movidos pelo ódio de classe – este sim, eles conhecem como a palma das mãos.
Enquanto os “manifestantes” dançavam e berravam, visivelmente sem nenhum propósito claro, os vendedores ambulantes faziam as mesmas coisas de sempre: caminhavam com seus isopores sob o sol e tentavam salvar o próprio sustento. Pobres vendendo cerveja para ricos: nada diferente do que vemos todos os dias.
Seus rostos pareciam incomodados e estranhamente conformados. Ouvi, por acidente, um vendedor falando ao outro, com uma expressão inconfundível de estranhamento enquanto se voltava para o carnacoxinha:
– Eu é que não vou dizer a eles que tá errado, né? Deixa lá.
Penso que não se tratava de desinteresse político da parte deles. É que, a despeito das coreografias e das camisas da seleção, a cidade vive.
O ambulante ainda volta pra casa com as cervejas que lhe sobraram no isopor, contando os trocados para pagar o ônibus. A mulher negra ainda arrasta os filhos sob os olhares hostis dos brancos dançarinos. Tudo está como sempre foi, mas, agora, com o bônus indesejável de “manifestantes” que nunca saberão nada sobre a verdadeira revolução.
Nada muda para eles. Isso realmente não é sobre nós, o verdadeiro povo. A revolução de burgueses não é capaz de nos provocar sentimento algum além da vergonha alheia. Para nós, isto não é nada além de risível.
Dei as costas e voltei para o meu domingo pacato. Longe de toda aquela palhaçada, ainda havia a vida real – e as lutas reais – que me esperavam depois daquele episódio patético.
Você sabe: prioridades.