Dilma deu uma lição nos protestos que os manifestantes jamais verão. Por Mauro Donato

Atualizado em 14 de março de 2016 às 12:25

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“Quero o meu país de volta!” é o que está escrito em cartazes, cuspido da boca de oradores sobre carros de som, repetido na pista pelos manifestantes.

Mas qual país? Aquele no qual pobres e negros eram mantidos a anos luz de distância do ensino superior? Ou aquele no qual investigações eram engavetadas?

Esses enfrentamentos não constam em minhas perguntas porém as respostas tampouco revelam algum caminho iluminado. “Quero o fim da corrupção”, é a resposta padrão.

O referencial é tão assustador que um dos pedidos que vem sendo largamente defendidos por essas manifestações pró-impeachment é o da volta do voto de papel. Continuam a crer que Dilma não venceu em 2014, que foi na mão grande devido às urnas eletrônicas. Geraldo Alckmin também não anda pensando muito diferente em termos de condenar a tecnologia e já mandou recolher impressoras nas escolas estaduais. Os mimeógrafos estão na crista da onda.

Procuro conversar com alguém que seja articulado o suficiente para não ser retratado como um mero repetidor de mantras.

O publicitário Marcos, 49 anos, não demonstra hostilidade comigo (o que já é um diferencial e tanto) e diz: “Não se pode diminuir a importância disso aqui que está acontecendo hoje. Não somos idiotas, sabemos que a Fifa é corrupta (ele trajava camiseta da seleção brasileira de futebol), não é isso. Nós não queremos Dilma mas também estamos aqui para dizer que não queremos Aécio, Michel Temer ou Eduardo Cunha. Só que quem está no poder hoje é o PT e o importante agora é tirar o PT de lá. Chega, já deu.”

Por mais que sua fala, emitida em um tom equilibrado e sem exaltar-se, revele uma indignação compreensível, Marcos no final das contas externa uma opinião idêntica a da grande maioria que naquele momento aplaudia Kim Kataguiri, o líder que declama Power Rangers: não apontam quem deve ser o substituto, não dão alternativas. Vaiaram profusamente Aécio, Marta e Alckmin. Quem desejam então, Bolsonaro? Joaquim Barbosa?

Estes são os riscos reais a serem considerados porque outra crença muito difundida entre os manifestantes de ontem é a de que o juíz Sergio Moro atua com isenção. Daí a elegerem um midiático “salvador da pátria” é um pulo.

É preocupante que uma quantidade de gente tão grande como aquela termine o dia “fatídico” sem dar respostas mais esclarecedoras. Gritavam em uníssono que estavam lá “de graça”, que não tinham ido em troca de “pão com mortadela” mas não sabiam dizer quais as empresas que financiam os grupos como o MBL e o Vem pra Rua, nem quem estava bancando aquelas centenas de milhares de patinhos infláveis que eram distribuídos em frente a sede da FIESP.

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É triste ver que insistem na defesa desinformada de que o país tem “a maior carga tributária do mundo” e que se recusam a “pagar o pato”. Querem hospitais e educação pública de qualidade mas não querem pagar impostos. Quem tiver entendido, por favor me explique.

Mas ainda mais lamentável é verificar a cegueira sobre quem realmente defende a democracia. A todo momento, os diversos caminhões de som exaltavam o teor pacífico da manifestação, elogiavam e batiam palmas para a polícia, arrotavam superioridade ao não “dar trabalho” para os militares.

Nenhum deles irá reconhecer o discurso feito por Dilma Roussef na véspera, declarando total apoio e respeito às manifestações que iriam ocorrer. Garantiu que transcorreriam com total segurança mesmo sabendo ser a maior prejudicada, a bola da vez.

Um contraste brutal quando lembramos dos pronunciamentos feitos por governadores do calibre de Alckmin que, de antemão, afirmam que não irão “tolerar baderna” e tocam a polícia em cima antes mesmo da manifestação começar. Qual dos dois defende a liberdade? Não será nenhuma daquelas pessoas que estavam ontem na Paulista que irá responder com sinceridade, afinal, como admitem em alto e bom som, o que querem é “Fora PT”. O resto é detalhe.

Os manifestantes de ontem batem no peito com orgulho para dizer que repudiam, que não toleram vandalismo mas não veem incoerência ao permitir o pessoal que pede intervenção militar estar presente, “infiltrado”.

Enchem a boca para dizer que “não se trata de luta de classes” mas não explicam o porquê da praticamente nula presença de negros ou de pobres.

É uma tentação cair no lugar comum e ridicularizar a manifestação de ontem. Foi a maior já vista desde as Diretas e isso deve ser levado em consideração. Mas é difícil defendê-la. Preciso aprender com Dilma.

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