A importância da recusa pública de um professor da PUC em ir à GloboNews. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 24 de março de 2016 às 7:20

 

No folclore do poder no Brasil é constantemente citada uma frase atribuída a Roberto Marinho: “Dos meus comunistas cuido eu”.

A Globo, num site oficialista, se orgulha dessa oração. O doutor Roberto teria protegido seus funcionários subversivos dos horrores da ditadura.

RM “posicionou-se contra a perseguição a jornalistas de esquerda. Desafiou a repressão ao se negar a fornecer a lista dos ‘comunistas’ que trabalhavam em seu jornal. Cobrou do governo o restabelecimento da democracia”, diz o texto.

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A reação do professor da PUC de São Paulo Reginaldo Nasser diante do convite para participar de um programa na GloboNews é um sinal eloquente de que a emissora está pagando um preço que não esperava pelo golpe que patrocina.

Nasser publicou o convite e sua negativa no Facebook. Pelo WhatsApp, a produtora lhe perguntou se ele poderia ir aos estúdios falar dos atentados na Bélgica.

Uma hora mais tarde, Nasser devolveu: “Não dou entrevista para um canal que, além de não fazer jornalismo, incita a população ao ódio num grave momento como esse”.

Em circunstâncias normais, ele provavelmente não deixaria de lado a chance de dar seu recado na televisão. Nasser contou que frequentou bastante em outras ocasiões.

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“Sempre avaliei que, eventualmente, em crises, há um espaço para profissionais possam discutir relações internacionais”, falou à Forum.

“Mas, nos últimos anos, eu comecei a notar que as coisas não estavam como antes. Inclusive, em dois programas ‘Painel’ editaram minha fala.”

Continua: “O que eles estão fazendo não é jornalismo. O ápice foi essa coisa apelativa, essa coisa de colocar no ar todo e qualquer diálogo em esfera privada da presidenta e de outras pessoas. Eu avalio que passou do limite”.

O fato de ter publicado as mensagens, sabendo que não voltará mais a aparecer ali, se deve a um esgotamento. Não só dele. Nada paga a ignomínia de colaborar para a canalhice.

No mesmo dia, a filha do cineasta Rogério Sganzerla, Sinai, também escancarou nas redes uma situação que, normalmente, ficaria no âmbito do privado.

Escreveu o seguinte:

“Pelo momento político que estamos vivenciando no Brasil, estimulado pelas organizações Globo (mesmo grupo da Fundação Roberto Marinho) que apoiou o Golpe de Estado em 1964 e também realizou diversas manipulações eleitorais, e pela atual posição que o jornalismo da empresa vem desenvolvendo, principalmente nos últimos dias, não iremos licenciar os trechos dos filmes do meu pai (Sem Essa Aranha e Copacabana Mon Amour) para a Fundação Roberto Marinho. Não desejamos vincular a obra de Rogério Sganzerla com uma instituição que estimula a violência e o desrespeito à democracia”.

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“Dos meus comunistas cuido eu” é uma sentença cafajeste, paternalista, megalomaníaca e feudal. “São meus cavalos. Esses vagabundos fazem o que eu mando”, é uma tradução possível.

“Obrigado, mestre!”, cacarejam os coitados.

Um dos artífices de 64 acerta com seus parceiros como quer lidar com seu povinho — que topou a parada, também, por motivos os mais diversos.

A elegia desse momento vergonhoso termina assim: “À luz da História, O Globo reconhece que o apoio ao governo militar foi um erro porque a democracia é um valor absoluto. E quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”