Peço que não me leves a mal por chamá-lo assim, e considere que isso não é uma ofensa, uma acusação de falha no caráter, nem mesmo culpa tua. E você não é meu inimigo.
Peço então apenas que pondere se não é verdade que nunca te interessaste por política. Se é mentira que até pouco tempo não sabias sequer diferenciar direita e esquerda. Que nunca leste livro algum sobre o tema ou atuaste em movimentos populares ou partidos políticos.
Digo então que não tens culpa, porque desde cedo foste ensinado a ser assim. A não discutir política ou desprezá-la, e tiveste toda a tua natural disposição ao tema – presente no animal político que és – cooptada por um sistema que te quer apenas como consumidor de candidatos, que te convoca a participar apenas de dois em dois anos, e que não te representa.
Como poderia, se desde o império representa os interesses de uma elite da qual tu não fazes parte. O 1% que te ilude diariamente enquanto tentas te informar no Jornal da Globo.
Lembras do editorial de O Globo contra o fim do financiamento a candidatos e partidos por empresas? E aquele contra a taxação de grandes fortunas? Talvez a capa que dizia que o 13º salário acabaria com a economia do país…
Talvez não tenhas te interessado tanto por esses temas na época, porque entre um e outro tinha um mar de lama da corrupção.
O que precisas entender então é que ser contra a corrupção não basta. Que é preciso ir muito além disso, já que hoje as maiores ilegalidades ainda são as permitidas.
Mas foste também convencido pelo 1% de que a legislação é a Justiça. De que os juízes são representantes de Deus na Terra, pois tens no Estado uma representação de teu próprio Deus, que tentas me impor. E esse Deus te garante privilégios, tu há de convir.
Apesar de analfabeto político, és homem cis, branco, hétero, com pais de classe média. Tiveste acesso a toda educação formal que sonhaste, e hoje és doutor, apesar da crise. Tens também acesso a saneamento básico, plano de saúde e a PM não está em guerra na tua comunidade.
Acreditas então na economia e no mercado, e que basta te esforçares para alcançar tudo aquilo que o 1% recebeu como herança.
Na família Marinho, que tanto escutas, por exemplo, os três irmãos herdaram uma fortuna que hoje chega a mais de R$ 60 bilhões. Isso daria para comprar algo em torno de quarenta mil apartamentos como aquele do Guarujá, que acusas Lula de ser o dono. Ainda assim acreditas que a fortuna dos Marinhos é justa, honesta e meritocrática, e que Lula é o chefe da quadrilha.
Não quero tentar te convencer do contrário, mas sim que percebas que há mais perspectivas entre o céu e a terra.
Que pode parecer mais importante para muitos uma investigação sobre a mídia e seus parceiros no judiciário, do que uma sobre um apartamento de classe média de um ex-presidente.
A desproporcionalidade no tratamento a Marinhos e Lula é diretamente proporcional a diferença dos projetos que representam. Mas tu preferes discutir pessoas a ideias, todos sabem disso, e por isso existe o Big Brother. Não é à toa também que o espetáculo midiático em torno da política se aproxima tanto do entretenimento.
Tu te alimentas de ódios e paixões produzidos por edições maldosas da mídia ou frutos do inevitável destino de toda perspectiva. O que precisas entender é que de nada importa gritar o teu ódio contra corruptos, sendo que não encontrarás ninguém que defenda a corrupção. Não em público, e mesmo Paulo Maluf já disse que confia na justiça.
Peço-te então apenas, que para o bem de todos os cidadãos (tu incluído, nesse grupo tão diverso) leias mais sobre filosofia política, invés de assistir a tantos noticiários diariamente. Podes começar trocando meia-hora do tempo dedicado a odiar o Lula em frente à TV, por trinta páginas de Hannah Arendt, por exemplo.
Ou de “A Sociedade do Espetáculo”, da Constituição Brasileira (na parte dos direitos) ou mesmo da Bíblia (nas partes que o pastor esquece).
Sei que estais cansado e que preferes ligar a televisão ou procurar no Facebook as opiniões que queres ouvir, para confirmar as tuas – William Wack, por exemplo, que facilita muito esse processo, e não é sequer preciso assisti-lo pra saber o que ele disse. Mas se desejares realmente deixar de ser um analfabeto político, esse esforço certamente é necessário.
Talvez, em pouco tempo de boas leituras diárias, até te apaixones por política, e pare de utilizá-la para descarregar frustrações ou de visitá-la apenas nas urnas de dois em dois anos.
Mas precisarás admitir que foste assim por muito tempo, e que uma parte tua deseja ardentemente voltar a ser, logo depois de derrubar Dilma e ver restabelecida a paz nos noticiários.
Sei porém que não ruminas, então te peço apenas que evite os excessos que te atrapalham a digestão dos fatos. Que evites consumir Eraldo Pereira antes de dormir, ou revistas de fofocas políticas.
Em pouco tempo teu estômago odiará menos, e terás te curado da intolerância à democracia e à diversidade de pensamento. Só assim deixarás de ser um analfabeto político, ou mesmo um idiota. Um ignorante motivado por lutas inglórias e guerras sujas, emburrecido ou preguiçoso demais para pensar e que decidiu então terceirizar o pensamento.
O Jornal da Globo agradece a audiência.