O médico Pedro Kassab foi um enxadrista de mão cheia. Há quem diga que venha daí a habilidade do quinto dos seus sete filhos na arte de comer o peão, matar o bispo, passar a perna na dama e em quem mais encontrar pela frente até a cartada final: xeque mate.
Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, ministro das Cidades de Dilma, dono do PSD, terceira maior bancada no Congresso, com outro partido, o PL, no prelo, é o que se pode chamar de um estrategista profissional.
Se no tabuleiro, até onde se sabe nunca moveu as peças com a destreza de um Garry Kasparov, nos salões acarpetados do poder move-se com astúcia digna de um gigante russo (ok, em se tratando de Brasil, você sempre poderá dizer que em terra de cego quem tem um olho é rei).
Sua última jogada, nesta semana, é um exemplo de como derrubar uma torre do adversário. Kassab aguardou pacientemente a discórdia reinar no PSDB para então anunciar a filiação do vereador Andrea Matarazzo no seu PSD.
Ao mesmo tempo que enfraquece o grupo de seu arquirrival Geraldo Alckmin, mantém a proa apontada para o seu objetivo: tornar-se governador de São Paulo em 2018, concorrendo preferencialmente numa dobradinha que teria o senador José Serra, pelo PMDB, na disputa pela Presidência.
Na sua lógica política, Kassab raciocina sempre com foco no médio e longo prazo. Foi assim em 2006, quando assumiu a prefeitura de São Paulo após o desligamento de Serra com apenas 15 meses de governo.
Para conquistar o ex-chefe, manteve a mesma equipe e não moveu uma palha do planejamento inicial. Chegava ao exagero de consultar Serra para decisões corriqueiras, como quando decidiu nomear Soninha Francine, peixinha do então governador, para comandar a subprefeitura da Lapa.
O esforço acabou recompensado. Foi reeleito em 2008 com apoio massivo do PSDB – Geraldo decidiu concorrer, mas foi largado na chuva pelos correligionários.
Reeleito, Kassab continuou pensando lá na frente. Aproveitou o segundo mandato para, na condição de prefeito da maior cidade do país, construir o próprio partido que já nasceu grande e bem ao seu estilo descompromissado com princípios elementares de ideologia: “Nem de esquerda, direita ou centro” – a clássica definição entrou para a antologia da política contemporânea.
Os cartesianos que enxergam a disputa pelo poder sob o prisma do nós contra eles não acreditaram quando Dilma o convidou para integrar o seu ministério e de quebra ainda trouxe o seu tesoureiro, Guilherme Afif, hoje na presidência do Sebrae Nacional, para cuidar da pasta das Micro e Pequenas Empresas.
Continuam não entendendo nada agora, especialmente após uma semana em que Kassab não só trouxe o principal crítico da gestão petista em São Paulo para disputar a prefeitura como liberou sua bancada de deputados para votar pelo impeachment.
Solteiro, 56 anos, Kassab é formado em engenharia pela Poli. Ocupou seu primeiro cargo público em 1992, quando se elegeu vereador em São Paulo. Foi deputado estadual e em 1997 comandou a secretaria de Planejamento durante a gestão Celso Pitta, considerado o pior prefeito da historia da capital.
Eleito deputado federal por dois mandatos, renunciou ao cargo para compor com José Serra (PSDB) a chapa para a Prefeitura, em 2004, tornando-se vice-prefeito.
Seus admiradores, quando falam de suas virtudes, gostam de ressaltar a lealdade: Kassab seria alguém que cumpre acordos e jamais deixa os amigos na mão.
Tais princípios seriam lições que herdou de duas velhas raposas: o ex-deputado e ex-ministro extraordinário de assuntos políticos no governo FHC e articulador da emenda pela reeleição, Luiz Carlos Santos, e o ex-senador Jorge Bornhausen, decano do conservadorismo pragmático e mais atrasado.
Nas suas andanças pelo interior do Estado, fim de semana sim, outro também, Kassab aproveita a caneta franqueada por Dilma para distribuir convênios. Literalmente, passa o rodo: já pode dizer, com segurança, que dispõe de um exército de vereadores, prefeitos e vices.
Enxerga o secretário de Segurança Pública do Estado, Alexandre Moraes, escolhido da hora de Geraldo Alckmin, como o seu principal adversário na disputa pelo Governo.
Sabendo que terá de enfrentar a máquina estatal, aposta na manutenção das regras que impedem o financiamento privado de campanha – até lá espera já ter homologado seu segundo partido, o PL, para que com isso possa operar um orçamento duplo de milionários fundos partidários.
Já tem até mote decorado para recitar quando for perguntado sobre os objetivos do novo partido, cujo número de sigla será 88: “Não somos oito nem oitenta: somos 88”.
No xadrez da política, é no mínimo um artista. Concorda?