Publicado no jornal holandês Het Financieele Dagblad. Tradução de Harold Von Kursk
“Estes contratos são absolutamente falsos”, disse Frank van den Bake, o renomado empresário de esportes que está regularmente envolvido na preparação e celebração de contratos de patrocínio. Ele não faz rodeios quando examina os contratos apresentados pelos jornais holandeses Trouw e o Het Financieele Dagblad (Dutch Financial Daily), que foram a base para a transferência de fundos de uma companhia de fachada (ou seja, que só tem um endereço postal no estrangeiro e não um escritório real) a várias empresas de marketing esportivo na América Latina para a manipulação de direitos de transmissão de jogos de futebol. Mas Van den Bake acredita que os contratos não são reais.
De acordo com Van den Bake, os contratos são muito pequenos (alguns com poucas páginas) e podem ser considerados falsos. “Quando se consideram os montantes das operações, que envolvem vários milhões, seria de se esperar contratos entre vinte a trinta páginas”. Mesmo o texto é vago: “Neste tipo de contrato, há uma disposição de exclusividade contida nas cláusulas principais. Você quer ter certeza de que é o único que detém os direitos. Mas estes contratos não contêm tais cláusulas.”
Os contratos referem-se a partidas disputadas na Taça Libertadores. A competição é organizada pela Federação de Futebol da América do Sul (Conmebol) e os direitos são distribuídos para várias estações de televisão na região.
Em maio passado, descobriu-se que o processo de atribuição dos direitos foi crivado de corrupção. Essa é a visão do departamento de justiça americano. Em um inquérito de 164 páginas com acusações de corrupção contra o chefe da FIFA, houve várias alegações de que as empresas de marketing esportivo foram usadas como uma forma encoberta subornos a funcionários da Conmebol, alguns deles ex-diretores da FIFA.
Uma das pessoas-chave da acusação é o uruguaio Eugenio Figueredo, que serviu como chefe da Conmebol até 2014 e é também vice-presidente da FIFA. Em dezembro de 2015, ele foi preso na Suíça e extraditado para o Uruguai. De acordo com as investigações, Figueredo recebeu propina de várias fontes, incluindo José Margulies, o empresário esportivo brasileiro. Marguilies é o homem por trás de dois dos outros funcionários indiciados da empresa, Somerton e Valente, que serviram como operadores das propinas.
É precisamente por isso que Van den Wall Bake acha os contratos extremamente interessante: eles servem como justificativa para a transferência de fundos entre Valente e a empresa de fachada holandesa Torneos & Traffic Sports Marketing BV (T & TSM), que detém os direitos de transmissão. O especialista em marketing ressalta ainda mais absurdos. Ele observa que T & TSM paga US$ 800 mil anualmente para a Spoart, outra empresa de propriedade de Margulies, para a comercialização dos direitos de transmissão. Declara Van den Wall Bake: “Esse montante é ridículo eu faria pela metade. Ou um quarto disso”.
Há também um outro contrato entre a T & TSM e Valente, em que Valente aparece como conselheiro sobre o deslocamento das equipes para os estádios. Mais uma vez, o marqueteiro esportivo holandês lança dúvidas sobre esses arranjos: “Sim, como você leva uma equipe para um estádio? De ônibus, parece-me. Combinar essas funções com a transmissão é insano. São competências muito diferentes”. Van den Wall Bake suspirou. “Estes contratos são absolutamente falsos.”
Documentos vazados
Vale ressaltar que Van den Wall Bake é familiarizado com as empresas em questão. Não só Somerton e Valente, mas também duas outras mencionados nos contratos: Spoart e Arco. “Quando você fala da venda ou negociação de direitos de transmissão de um torneio importante como a Taça Libertadores, você está falando de grandes agências de marketing esportivo internacionais, como IMG e Lagardère. Esses são grandes players”.
Van den Wall Bake não está sozinho nessa observação. Essa é a mesma conclusão a que chegamos com base em documentos vazados da Mossack Fonseca (MF). Essa consultoria jurídica com sede no Panamá trabalha em nome de muitos tipos diferentes de clientes e empresas, geralmente aqueles localizados em paraísos fiscais. Na Holanda, a MF trabalhou durante anos com Frank Sonsma, da filial holandesa, uma consultoria que geria empresas de fachada na Holanda. No outono de 2013, a Sonsma assumiu a gestão da T & TSM no lugar de outra firma, a TMF. E é aí que surgem inconsistências.
Para começar, Sonsma não deixa claro por que motivo a T & TSM precisava de outra consultoria. Depois de questionar sua sede no Panamá, Sonsma recebeu a resposta de que o relacionamento entre já não era bom. De acordo com a T & TSM, não havia apenas um problema no serviço, mas também a TMF era muito cara.
Em 25 de Outubro de 2013, no entanto, o advogado da TMF Frits Verhaert deu a Sonsma a verdadeira razão para o rompimento do contrato. Apesar dos vários pedidos, T & TSM não forneceu todos os documentos que ele deveria ter recebido. Quando questionada pelo nosso jornal, a TMF disse que nunca comenta relações com clientes específicos.
Questões críticas
Após a análise de todos os contratos que foram celebrados pela TMF, Sonsma encontrou várias inconsistências. A T & TSM apresenta tranferências de caixa anuais de mais de US$ 16 milhões (em mais de dez anos), mas segundo ele este fluxo de dinheiro não pode ser explicado. A T & TSM recebe os direitos de transmissão de uma empresa de mesmo nome nas Ilhas Cayman e vende os direitos de licenciamento para a Globo. Ao longo dos anos, os custos da Globo aumentaram progressivamente devido a mudanças macro-econômicas da região. Em maio de 2015, o Departamento de Justiça dos EUA revelou que os valores pagos pelos direitos de transmissão tiveram que ser aumentados constantemente enquanto os contratos ainda estavam em vigor, antes que expirassem, a fim de satisfazer a fome de dinheiro do pessoal da FIFA.
Os valores que a Globo pagou na conta da T & TSM no bando ING são a única fonte de receita para a empresa. Seria lógico se os fundos recebidos pela T & TSM da Globo, por sua vez, fossem usados para pagar royalties para a empresa nas Ilhas Cayman, proprietária original dos direitos. Mas isso não aconteceu.
Desde 2011, a T & TSM realizou pagamentos anuais para uma empresa panamenha chamada Valente Corp. e Arco Business, uma empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. A partir de 2013, os pagamentos anuais foram para uma empresa de marketing esportivo sediada no Brasil, Spoart. Sonsma não tem conhecimento dessas empresas, e não há nenhuma evidência de que os proprietários têm nada a ver com a comercialização de radiodifusão ou televisão. Sonsma foi surpreendido. Poderia a sede da empresa no Panamá explicar isso?
Sonsma também levanta questões sobre a Arco Business. Os pagamentos efectuados em 2013 chegaram a US$ 12,5 milhões.
Mas qual é o propósito da Arco? Sonsma supõe que o proprietário funciona como uma espécie de tesoureiro (responsável pela custódia), que recolhe as contas e paga taxas relativas à organização de jogos de futebol. Para saber com certeza ele quer ver as extratos financeiros da Arco. A MF é dona da empresa? Isso parece ser um problema. A Arco é baseada nas Ilhas Virgens Britânicas e empresas de lá não publicam balanços financeiros.
Desde fevereiro de 2014, Sonsma cita cartas de estações de TV na Colômbia e no Brasil que mostram que eles realmente usaram os serviços de Valente e Spoart. Esta é a papelada de maior interesse para Sonsma. Há competições reais para os direitos de transmissão que a T & TSM vendeu e os jogos são realmente transmitidos. Spoart e Valente têm que lidar com isso.
Sonsma foi nomeado diretor e, portanto, a T & TSM pode retomar pagamentos a Valente e Spoart. Mas ele já não faz pagamentos a Arco porque não pode estabelecer qualquer ligação com essa empresa de eventos desportivos.
Quase seis meses após Sonsma se juntar à T & TSM, a situação mudou novamente. Em 1º de outubro de 2014, Maarten van Genuchten, um tradutor de Brabant Geldrop, uma vila no sul da Holanda, foi colocado no comando da empresa. Sonsma continua a lidar com o trabalho administrativo. Curiosamente, a esposa de Genuchten, a recepcionista ítalo-argentina de hotel Marina Kantarovsky, também é proprietário da empresa-mãe da T & TSM, com sede em Chipre.
Por que Van Genuchten e Kantarovsky entraram na firma? Kantarovsky era o verdadeiro proprietário ou ela estava como laranja de outra pessoa? O casal não respondeu às perguntas que lhe foram colocadas. Nos registos da Câmara de Comércio, Van Genuchten não está mais envolvido com a empresa desde 30 de Outubro de 2015 e a T & TSM está sem diretor.
Há muito para o Banco Central Holandês investigar. A tarefa envolve a necessidade de responder à questão sobre quem deveria ter sido avisado, e em que período de tempo, se esses contratos e os fundos que foram transferidos com base nestes contratos foram possivelmente de natureza fraudulenta.
Até que momento o banco ING continuou a facilitar os pagamentos para essas empresas não está claro. O banco não quis comentar.