A Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) repudiou os ataques da candidata à Prefeitura de São Paulo Marina Helena (Novo) ao professor Daniel Cara. Em nota assinada pelos professores Carlota Broto, diretora da unidade, e Rogério Almeida, chefe do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da FEUSP, a instituição diz que as ofensas são “pautadas em má-fé e desinformação”.
Durante debate realizado neste sábado (28) na TV Record, a candidata afirmou que Daniel Cara seria “favorável ao aborto” e à “legalização total de todas as drogas”. A FEUSP explica que ele defende um combate “inteligente” às drogas e a “descriminalização do aborto” como questão de saúde pública.
A nota da faculdade ainda menciona os ataques da candidata ao educador Paulo Freire e a acusação de que Cara estaria “torcendo” pela Rússia na guerra contra a Ucrânia. Para os professores, os ataques de Marina Helena são “resultado da notoriedade e da trajetória ilibada” de Daniel Cara.
“A destacada envergadura e projeção do Prof. Dr. Daniel Cara, juntamente com sua defesa firme da educação pública, justificam o desconforto que ele provoca na candidata do Partido Novo. Embora ela tenha pleno direito de discordar das opiniões do docente, isso não justifica a prática de ataques baseados em má-fé e desinformação”, diz a carta.
Leia a carta na íntegra:
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CARTA DE REPÚDIO
Nós, Profa. Dra. Carlota Boto e Prof. Dr. Rogério de Almeida, respectivamente diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e chefe do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA) da FEUSP, repudiamos os ataques proferidos pela candidata Marina Helena Cunha Pereira Santos (Partido Novo) ao nosso docente, Prof. Dr. Daniel Cara, pertencente ao EDA. Marina Helena, como é conhecida, pleiteia o posto de prefeita da cidade de São Paulo nas eleições de 2024 e possui 2% de intenções de voto, segundo a última pesquisa Datafolha (26/set).
No debate entre as candidaturas na TV Record (28/set), Marina Helena acusou o Prof. Dr. Daniel Cara de ser “favorável ao aborto” e à “legalização de todas as drogas” (sic). Em primeiro lugar, ninguém é favorável ao aborto. Quando questionado, e coerente com sua trajetória pautada nas Ciências Sociais e nos estudos da educação, o docente entende a questão da “descriminalização do aborto” como um tema de saúde pública, o que as evidências científicas demonstram estar correto. Considerando que o professor também trabalhou com políticas públicas de juventude, ele entende o combate às drogas como um tema de saúde e de segurança pública, áreas que devem priorizar a inteligência, diante do fato de que o Brasil e o mundo estão perdendo a guerra contra o crime organizado.
Além disso, sobre segurança pública, a experiência do docente fez com que ele relatasse, por demanda do Ministério da Educação, o relatório “Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental”, publicado recentemente (nov/2023). As propostas do documento contribuíram para frear, em 2024, a ocorrência desse tipo de crime, ao reorientar com sucesso as ações dos governos municipais, estaduais e federal.
Marina Helena criticou a associação do Prof. Dr. Daniel Cara ao “método” Paulo Freire, alegando, de forma caluniosa e sem quaisquer bases científicas, que Freire seria responsável pela falta de alfabetização e pela doutrinação das crianças. No entanto, o legado de Paulo Freire é amplamente reconhecido e respeitado em universidades ao redor do mundo, incluindo a Universidade de São Paulo e a Universidade de Brasília, onde Marina Helena se formou. Freire é renomado por seu foco na alfabetização de adultos, mas suas ideias também influenciam práticas pedagógicas em várias etapas e modalidades de ensino. Além disso, Paulo Freire sempre se posicionou contra a doutrinação, como exposto em obras como “Pedagogia da Esperança” (1992). Durante seu mandato como secretário de educação de São Paulo, no governo de Luiza Erundina (1989-1992), Freire foi amplamente elogiado por suas contribuições significativas, sendo considerado pela Rede Municipal de Educação como um dos melhores gestores da história da pasta.
Ainda em 28 de setembro, Marina Helena, por meio de um “carrossel” no Instagram,
acusou o Prof. Dr. Daniel Cara de “torcer” pela Rússia na guerra contra a Ucrânia. Ao confundir
análise fundamentada com torcida, essa acusação demonstra falta de familiaridade da candidata
com a pluralidade de ideias, em desacordo com os princípios educativos estabelecidos nos
incisos II e III do art. 206 da Constituição Federal.
Dentro da polêmica levantada pela candidata sobre a ocupação e queda de Kiev, é importante destacar que, no início do conflito, tanto o Prof. Dr. Daniel Cara quanto a inteligência dos Estados Unidos previram que a capital ucraniana poderia cair rapidamente. Essa previsão foi mencionada em uma reportagem da CNN de 25 de fevereiro de 2022, intitulada “US concerned Kyiv could fall to Russia within days, sources familiar with intel say”. Embora possamos entender como as guerras começam, prever seu desfecho é impossível. As análises são reflexões sobre o momento e não previsões infalíveis. O Prof. Dr. Daniel Cara, ao compartilhar sua perspectiva sobre o conflito, demonstrou coragem. Essa postura é cientificamente honesta e não implica apoio a nenhum dos lados envolvidos.
No ataque ao Prof. Dr. Daniel Cara, Marina Helena também confunde o uso de linguagem inclusiva com linguagem neutra. A linguagem inclusiva também considera pessoas “trans”. Ocorre que, em algumas postagens entre 2021 e 2022 no Twitter, atual “X”, o Prof. Dr. Daniel Cara usa a expressão “todas, todos e todes”, considerando o conjunto das identidades de gênero. Como fica evidente, isso é diferente de substituir os pronomes masculinos e femininos por neutros.
Por fim, os ataques da candidata Marina Helena são resultado da notoriedade e da trajetória ilibada do Prof. Dr. Daniel Cara, como uma das principais lideranças do Brasil na área da educação, sendo ele um defensor incondicional da educação pública.
Daniel Cara, exercendo plenamente seus direitos civis e políticos, desempenhou um papel fundamental como coordenador da área de educação nas campanhas de Guilherme Boulos para a presidência da República em 2018 e para a prefeitura de São Paulo em 2020. Atualmente, ele está novamente à frente da coordenação da campanha de Boulos para a prefeitura da capital paulista em 2024.
Além disso, ele é membro do Conselho Universitário da USP, representando a Congregação da nossa Faculdade, e atuou como membro do Conselho Universitário da Unifesp de 2015 a 2020. Entre 2022 e 2023, Daniel coordenou o Curso de Licenciaturas da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, destacando-se por sua contribuição na área educacional.
Como pesquisador, Daniel Cara é também fundador e coordenador do recém-criado “Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito à Educação, Economia, Educação Comparada e Políticas Educacionais” (DEEP-USP).
Como ativista, foi o primeiro jovem a integrar a Mesa Diretora do Conselho Nacional de Juventude (2005). Em 2022, como especialista em educação, Daniel Cara foi um dos 22 coordenadores do governo de transição Lula-Alckmin.
No Congresso Nacional, o Prof. Dr. Daniel Cara desempenha há muitos anos um papel crucial na criação e regulamentação de políticas educacionais de grande relevância. Ele foi essencial para o estabelecimento do primeiro Fundeb (2006-2007) e do Fundeb permanente (2020), além de ter contribuído decisivamente para o Plano Nacional de Educação 2014-2024. Sua influência e credibilidade também foram fundamentais na recente revisão da Reforma do Ensino Médio (2023-2024), na aprovação da Lei das Cotas (2008-2012), na alocação de recursos do petróleo para a educação (2007-2013) e na Emenda à Constituição 59/2009, entre outras matérias legislativas. Além disso, Cara é o principal defensor e um dos autores dos sistemas CAQi-CAQ (Custo-Aluno Qualidade Inicial e Custo Aluno Qualidade) e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), que foram incorporados à Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional 108/2020. Em todas essas matérias legislativas, Cara liderou concretamente a mobilização da sociedade civil no Congresso Nacional, convencendo parlamentares a apoiarem a causa da educação pública.
Em âmbito internacional, o Prof. Dr. Daniel Cara é reconhecido por sua incidência junto à Organização das Nações Unidas (ONU) e fundou a ReLus (Rede Lusófona pelo Direito à Educação). Além disso, dirigiu a Clade (Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação), a Campanha Global pela Educação e a iniciativa “One Goal: Education for All!”. Foi também o coordenador brasileiro da iniciativa “100 Milhões por 100 Milhões”, idealizada e liderada internacionalmente por Kailash Satyarthi, ativista indiano laureado com o Prêmio Nobel da Paz de 2014. Por fim, em 2023, foi declarado “Coordenador Honorário” da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a mais ampla e mais plural articulação social de defesa da educação pública de qualidade no Brasil.
A destacada envergadura e projeção do Prof. Dr. Daniel Cara, juntamente com sua defesa firme da educação pública, justificam o desconforto que ele provoca na candidata do Partido Novo. Embora ela tenha pleno direito de discordar das opiniões do docente, isso não justifica a prática de ataques baseados em má-fé e desinformação.
É pela trajetória do Prof. Dr. Daniel Cara e por respeito aos seus direitos civis e políticos que escrevemos esta Carta de Repúdio com o objetivo de colaborar com a restituição da verdade, sempre com base em fatos e evidências empíricas, como é nosso dever.
São Paulo, 30 de setembro de 2024.
Profa. Dra. Carlota Boto
Diretora da Faculdade de Educação Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Rogério de Almeida
Chefe do EDA da Faculdade de Educação Universidade de São Paulo
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