Haddad, anglicismos, Faria Lima e cortes profundos. Por Maringoni

Atualizado em 16 de outubro de 2024 às 20:16
Fernando Haddad. Foto: Divulgação

Por Gilberto Maringoni

A entrevista de Fernando Haddad a Monica Bérgamo, publicada pela Folha de S. Paulo, é uma declaração aberta, franca e sem retoques de uma capitulação. Uma capitulação e uma conversão ao credo do mercado, sem retoques ou culpas. É bom que assim seja, pois muita coisa fica clara. O comandante da Economia não esconde o que outras notícias nos jornais do dia (15) já prenunciam: em novembro virá um pacote de profundos cortes orçamentários para 2025.

A entrevista tem trechos prosaicos. Por quatro vezes, Haddad usa a expressão “é preciso endereçar” tal problema para determinado setor. Não se usa a construção em português, que vem do inglês “to adress”, no caso “direcionar”. Nada a estranhar, é o idioma dos farialimers.

Até nesses detalhes se percebe que o Ministério da Fazenda se tornou correia de transmissão dos desígnios da alta finança. Assim, ninguém precisa se chocar com a seguinte afirmação:

“A Faria Lima está, com razão, preocupada com a dinâmica do gasto daqui para a frente. E é legítimo considerar isso com seriedade”.

Sim, é legítimo um governo eleito por 60,3 milhões de brasileiros esperançosos por mudanças, com uma diferença de apenas 1,8% dos votos em relação ao fascista, dar um giro na surdina e afirmar que legítimos são os poderes do lado de cima da sociedade?

Para o ex-professor do Insper, problema zero. Medidas duras virão, como é da tradição nacional, depois das eleições. O ministro deveria atentar para o fato que o governo Lula e sua agremiação levaram inesquecível tunda nas disputas municipais, fato que gerou clima de barata-voa no Partido dos Trabalhadores e aliados. A vida melhorou em relação aos quatro anos de Bolsonaro, mas a diferença não é tanta assim. A frustração dos próximos meses pode ter consequências imprevisíveis.

Haddad tem sido alvo de críticas duras por parte do “mercado”, pelo fato da economia estar mais aquecida que o desejado, com expansão de emprego, renda e do PIB, o que alimentaria a inflação. O motivo está no fato dos gastos obrigatórios, especialmente os estabelecidos na Constituição, não terem sido cortados.

Monica Bérgamo. Foto: Divulgação

Apesar de ter negado desde o início, Fernando Haddad retira toda a marca fantasia de seu arcabouço fiscal e aponta claramente sua essência:

“O que fizemos? Nós estabelecemos um teto de gastos determinando que a despesa não pode crescer acima de 70% da receita”.

Li “teto de gastos”? Sim, lemos “teto de gastos”! Esse é o princípio ativo do arcabouço. Essa é a substância que o presidente Lula assim denominou no discurso de posse, em 1º. de janeiro de 2023:

“O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida (…) e a mais prejudicada por uma estupidez chamada Teto de Gastos, que haveremos de revogar”.

“Estupidez” é o adjetivo. Pois a “estupidez” está em plena atividade, com outro nome. Tudo certo, tudo certo. O tal discurso de Lula repousa num passado distante, do qual ninguém se lembra. Vamos falar de coisa séria. Voltemos ao professor:

“O mercado está entendendo que a soma das partes —a soma do salário mínimo, saúde, educação, BPC— é maior do que o todo. Ou seja, vai chegar uma hora em que esse limite de 2,5% [de crescimento da despesa em relação ao da receita] não vai ser respeitado. Ainda que a receita responda, o arcabouço fiscal não vai funcionar se a despesa não estiver limitada”.

Embora faça volteios, o titular da Fazenda é claro em apontar os alvos de sua tesoura, a fatia do orçamento destinada aos pobres

E assim seguimos. O facão é o único programa real “endereçado” pelo governo Lula III.

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