O Deputado Flavinho (PSB/SP) faz jus ao nome no diminutivo. Tanto que colocou-se contra a criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara, afirmando que as mulheres não querem empoderamento, elas querem ser “cuidadas”.
Não me espanta que um discurso tão medonho esteja sendo utilizado para defender o retrocesso. Já fomos, afinal, bombardeados com incontáveis discursos medonhos na câmara dos deputados (vide a votação do Impeachment).
O que me espanta, de fato, é que tantos políticos ainda passem tanta vergonha desnecessariamente.
O preconceito e o atraso, meus caros, podem ser veladíssimos. Com um pouco de inteligência pode-se mascará-los com palavras bonitas e distorções cínicas da realidade, mas poucas pessoas parecem conseguir fazê-lo: seguem, sem o menor constrangimento, atirando nos próprios pés com seus discursos escancaradamente preconceituosos e tão facilmente desconstruíveis.
Mas mesmo num discurso tão raso e obsoleto, cabe-nos ler as entrelinhas: Quando Flavinho diz que mulheres querem ser ‘cuidadas’, ele está falando do ‘cuidado patriarcal’. Aquela opressão odiosamente disfarçada de proteção.
Quando, por exemplo, um homem diz que uma mulher não deve andar sozinha ou com roupas ousadas porque o mundo anda cheio de estupradores, e desse jeito nós “estamos pedindo”. Ou, para ir mais além, quando não se admite que uma mulher protagonize as próprias lutas porque ela merece – e quer – ser cuidada e protegida pelo patriarcado. Ou quando diz-se que uma mulher solteira não pode ser feliz pela ausência do ‘cuidado’ masculino (e sobre isso, um parêntese: nós sabemos nos cuidar, deputado!).
Como quem quer se proteger previamente das críticas previsíveis diante de um discurso ridículo, ele apressou-se em se defender:
“E não venham me dizer que nós, homens, não entendemos de mulher. Entendemos, sim. É que as senhoras, muitas vezes, não entendem o que é ser amadas e acham que essas mulheres não querem ser amadas como as senhoras. Respeitem as mulheres do Brasil que querem ser mães, que querem ser amadas.”
Há, neste ponto, um discurso perigoso: a ideia implícita de que as feministas – tanto as que nos representam na câmara quanto as que assumem a luta do lado de cá – não respeitam as mulheres que escolhem uma vida tradicional. Isso é uma falácia.
Nenhuma feminista é contra a maternidade (aliás, não somos nós que queremos deliberar sobre os úteros alheios). O nosso discurso apenas deseja desconstruir a ideia de que uma mulher precisa da maternidade para ser completa. Também não há oposição ao amor – quem se oporia ao amor? – mas nos opomos, sim, ao que o patriarcado equivocadamente chama de amor: relações que aprisionam sob o pretexto de ‘proteger e cuidar’, rotuladas e marcadas pelo selo patriarcal que estabelece relações de poder onde deveria existir tão somente amor e respeito.
E, nestes termos, nós realmente não somos amadas (graças a Deusa!) pois buscamos e construímos um modelo de amor que não aprisione. Um amor que não seja contrário, por exemplo, à defesa dos direitos da mulher na câmara. Um amor que respeite a individualidade, que não prive, não machuque, não violente – e esse amor existe, embora muito distante do intelecto pequeno de pessoas como o Deputado Flavinho. Em resumo, o amor patriarcal não nos interessa.
O deputado, claramente, não entende nem de mulher, nem de política e nem de Século XXI. Ele não pode falar pelas mulheres. Aliás, a julgar pelo atraso do seu discurso, ele não pode falar por ninguém.