Quando entrou com uma liminar desfazendo o acordo firmado entre estudantes e o juíz Luis Manoel Fonseca Pires, o governo – bem como seu secretário de Segurança e todo o comando da polícia – endossou que não vislumbra nenhuma hipótese de uma polícia não truculenta, desmilitarizada e desarmada.
Apesar do teor de muitas reportagens, a reintegração de posse do Centro Paula Souza na manhã de ontem não foi ‘suave’ como estão dizendo. O estudante João tomou um murro no rosto enquanto estava lá dentro e depois foi jogado no chão e pisado por policiais que pesavam, cada um, pelo menos o triplo do peso do garoto. Uma menina foi arrastada pelo pescoço e todos foram arremessados na calçada.
Desde antes das 5 da manhã, todo o entorno do complexo que abriga também a ETEC Santa Ifigênia e o prédio administrativo, estava isolado pela polícia. Para a imprensa foi reservada uma área pequena, na esquina, distante do portão principal. Além da fita, um cordão de policiais com ‘escudos transparentes, cassetetes, capacetes reluzentes e a determinação de manter tudo em seu lugar’, impedia a aproximação.
Mas apesar de toda a aparente coordenação e organização, a polícia mais uma vez foi polícia. Pouco depois do início da operação, aquele cordão se desfez e a imprensa pode assim se aproximar para registrar mais de perto. Em menos de dois minutos alguém deu a ordem de retirar os jornalistas e quem mais estivesse ali.
Claro, isso não é feito com ‘por favor’. Enquanto grande parte ainda estava com os olhos colados em sua câmeras e mirando para o que acontecia em frente ao portão, um cordão policial veio desobstruindo a rua como uma máquina de terraplanagem.
O primeiro golpe de cassetete veio em direção à minha cabeça e por sorte pegou de raspão. Além da pancada, apenas um corte próximo ao olho esquerdo. O segundo golpe foi direto na câmera.
Por que deixaram as pessoas se aproximarem, depois de mantê-las mais de uma hora em uma área restrita, e depois expulsam? Foi algo do tipo ‘ok, podem vir, estão liberados para apanhar’. É esse despreparo associado a total dependência do uso de armas que faz da polícia de São Paulo uma as mais assassinas do mundo e que faz o Brasil ter índices piores que países em guerra.
A polícia é uma corporação lenta, pesada e anacrônica, que ainda não compreendeu as mudanças ocorridas nas comunicações e trata apenas uma parte da mídia como se deve. Coincidentemente, a parte rica e poderosa. Aos chamados ‘independentes’, o tratamento propicia a perda de um olho, a equipamentos (e investimento na carreira) destruídos, a xingamentos e ofensas pessoais.
Tive sorte de que não tenha sido atingido em cheio. Ele queria arrebentar minha cara, intencionalmente. O que aconteceu comigo é nada perto do que os estudantes estão passando na luta por um ensino de melhor qualidade, com condições mínimas como merenda e papel higiênico.
São jovens, muitos ainda franzinos, que estão dando a cara a tapa, literalmente. Expõem-se ao risco de bombas e tiros. Diversos alunos sofreram agressões muito piores que a minha desde outubro. Vários alunos e seus familiares estão sofrendo perseguição desde as ocupações do ano passado. Um grupo chegou a ir a Washington denunciar os abusos da PM para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, mas como vimos ontem, nada mudou.
Há ameaças, há tortura psicológica, há saúde fragilizada pelas imposições físicas a que se submetem numa ocupação. Por isso nossas esperanças ficam depositadas nesses meninos e meninas que hoje lutam por uma escola sem desigualdades nem opressão. É na educação que tudo se inicia e eles estão dando uma aula sobre direitos, reinvindicações, coragem e, acima de tudo, assertividade. Quem sabe um dia as autoridades aprendem. Nem é tão difícil.