O filósofo e professor da USP Vladimir Safatle foi uma das personalidades entrevistadas no programa que o DCM está fazendo na TVT.
Com direção de Max Alvim e apresentação de Marcelo Godoy, estaremos no ar todo domingo às 8 da noite. Aqui você encontra os detalhes.
Vladimir, como sempre lúcido, aponta para uma nova configuração da sociedade brasileira. Segundo ele, o Brasil precisa encarar, depois do golpe, que “não é um país”.
“Somos completamente divididos”, afirma.
Pode soar radical. É doído. Eventualmente, triste. Mas libertador. É preciso partir do reconhecimento dessa realidade para tentar reconstruir algo.
Que tipo de reconciliação será possível com os atores do impeachment? Como casar os interesses da turma de Cunha e Temer com aqueles que nunca estiveram no clube deles?
É preciso haver um entendimento. Mas como será possível pactuar com quem foi às ruas com uniforme da CBF denunciando a corrupção, pedindo a volta da ditadura, clamando pela pena de morte, hostilizando quem vestia camisa vermelha, denunciando a “ditadura comunista”?
Como discutir racionalmente com alguém que, depois de toda a farsa, de tudo escancarado, prega o “Volta, Cunha”?
Safatle acha que chegamos ao fim da Nova República, acredita que o legado do governo Dilma é “trágico”, que o lulismo se esgotou e que será preciso repensar a democracia.
Somos, depois dessa ruptura, outra nação. Isso é o começo e não é, necessariamente, uma má notícia.
Alguns trechos do papo com Vladimir Safatle:
O Brasil encarou de uma vez por todas que não é um país. É completamente dividido. Nunca foi um país.
Nós nem sequer conseguimos constituir uma narrativa unificada sobre a ditadura militar, uma linha vermelha dizendo que “daqui” não passará.
Jair Bolsonaro é um resultado disso. Campeão de votos entre os mais ricos, acima de cinco salários mínimos. Ou seja, quem salva o Brasil são as pessoas mais pobres. Se dependesse das pessoas acima de 5 salários mínimos, a gente já teria sido transformado num aberração.
Sou totalmente favorável a novas eleições. Todo poder emana do povo. Se todo poder emana do povo, o povo é o poder soberano. O povo está dentro da lei e fora da lei.
Está dentro da lei porque é o fundamento da lei. Está fora porque pode destituir a lei quando bem lhe aprouver, porque o povo é o legislador de si mesmo. A tendência da democracia é saber integrar o poder destituinte do povo.
Ninguém diz que democracia é representação. Essa ideia de que só o que é representado existe é errada. O que nós precisamos agora é de pessoas que não querem ser representadas, que não querem existir sobre a representação de outro, que lutem por novos espaços. Esse modelo de representação não é o destino final da democracia.
A mídia brasileira funcionou como um partido. Alimentaram manifestações, que não teriam o tamanho que tiveram sem isso.
Foi um dos momentos mais baixos da história da República. A divulgação de grampos no Jornal Nacional, com uma hora, 40 minutos de jogral. Uma coisa aterradora.
Existe um princípio básico na democracia que diz que um cidadão, e pode ser o ex-presidente, tem o direito de se defender do Estado. Isso foi completamente anulado. Até seu próprio advogado havia sido grampeado.
Para boa parte da população que vai ficar satisfeita com o simples impeachment da Dilma, vai voltar pra casa, silenciosamente criando um assentimento mudo, o que posso dizer é: nós não vivemos no mesmo país, nós apenas ocupamos o mesmo espaço — por infelicidade.
Estamos em campos completamente opostos, temos antagonismos insuperáveis. Vamos brigar até o fim. Nós vamos nos encontrar em campos opostos.
Em certos momentos é preciso deixar isso claro. Existem divisões. Não há nada que nos una. Nós não queremos a mesma coisa. No que me diz respeito, nós vamos brigar até o fim.
Precisaremos apenas jogar para algum tipo de espaço político os nossos antagonismos. Só.