O caso recente de estupro coletivo contra uma garota, menor de idade, cujos vídeos foram divulgados e disseminados na internet, chocou o país. Engana-se quem pensa que isso foi uma obra de monstros, homens doentes ou psicopatas. A cultura do estupro está difundida em nossa sociedade e mostra-se presente sempre que se faz uma piada machista, que educamos nossas crianças dizendo-lhes que os meninos devem ser pegadores e que as meninas precisam tomar cuidado com suas roupas, quando ridicularizamos mulheres chamando-as de fáceis, quando dizemos que “cu de bêbado não tem dono”, quando impomos um único padrão para a mulher – recatada, submissa, discreta -, quando dizemos que os estupradores devem virar “mulherzinha” na cadeia – imagina o que é ser “mulherzinha” todo dia?
Precisamos do feminismo mais do que nunca. Precisamos desconstruir a cultura do estupro e a cultura patriarcal, que está arraigada em todas e todos nós, desde a infância. Precisamos, sim, debater gênero. E precisamos lutar pela igualdade entre homens e mulheres. Em todas as esferas sociais.
O movimento feminista tem pouco mais de um século e múltiplas vertentes e correntes, incluindo outras minorias (mulheres negras, mulheres trans) ou outras pautas de lutas. Separei uma relação de alguns livros, uns mais profundos, outros mais leves, para um melhor entendimento do que nós, mulheres, buscamos.
Reivindicação dos direitos da mulher (Mary Wollstonecraft)
(Boitempo, 252 páginas, tradução de Ivania Pocinho Motta)
Antes mesmo que a palavra “feminista” fosse utilizada pela primeira vez, Mary Wollstonecraft escreveu seu manifesto, em 1792, inspirada pelos ideais iluministas, defendendo que as mulheres não são inferiores aos homens, mas aparentavam sê-lo porque não recebiam o mesmo tipo de educação. O livro continua tão atual que a Boitempo acabou de reeditá-lo, publicando uma versão comentada.
Olympe de Gouges (Catel & Bocquet)
(Record, 488 páginas, tradução de André Telles)
Bem mais leve que a obra citada acima, essa história em quadrinhos traz a biografia de Olympe de Gouges, figura relevante no período da revolução francesa que, apesar de monarquista, também defendia os direitos das mulheres, tendo publicado sua Declaração dos direitos da mulher e da cidadã em 1791. Infelizmente, o único direito igual ao dos homens que Olympe de Gouges conquistou foi o de subir ao cadafalso, e não à Tribuna, como defendia. A hq conta com um glossário ao final, com uma pequena biografia dos personagens importantes da época.
Um teto todo seu (Virginia Woolf)
(Tordesilhas, 192 páginas, tradução de Bia Nunes de Sousa)
Nesse breve ensaio, a escritora inglesa Virginia Woolf reflete sobre a condição social da mulher, sobretudo na literatura, que era vista de forma marginalizada. É interessante observar como Woolf imagina uma irmã de Shakespeare tão talentosa quanto ele, mas que não teria notabilidade nem prestígio por conta de seu gênero. Por fim, Virginia Woolf defende que a mulher deve ter um espaço só seu destinado à privacidade e à prática de atividades intelectuais, instrumento de que a maioria das mulheres não dispunha, o que as impedia de desenvolver suas potenciais habilidades artísticas.
O segundo sexo (Simone de Beauvoir)
(Várias editoras e traduções, versões em pdf amplamente disponíveis na internet)
Uma das obras mais importantes do feminismo, em O segundo sexo a filósofa francesa Simone de Beauvoir disseca a cultura patriarcal, partindo de uma análise biológica e chegando à conclusão de que a inferioridade da mulher é puramente cultural. O homem, segundo Beauvoir, é visto como principal representante do gênero humano, enquanto que a mulher é vista como o outro, o segundo sexo.
O Mito da Beleza (Naomi Wolf)
(Rocco, 440 páginas, tradução de Waldéa Barcellos)
Nesse controverso livro, Naomi Wolf mostra como a mulher contemporânea, apesar de aparentemente emancipada política, econômica, sexual e socialmente, agora submete-se à ditadura da beleza: desde propagandas de cremes milagrosos que prometem rejuvenescimento imediato a cirurgias invasivas que mantêm nossa aparência jovem, a mulher agora cumpre uma tripla jornada de trabalho, sendo a terceira dedicada a atingir um inalcançável ideal de beleza.
Um amor conquistado: o mito do amor materno (Elisabeth Badinter)
(Nova Fronteira, 372 páginas, tradução de Waltensir Dutra)
A escritora francesa Elisabeth Badinter desconstrói a ideia de instinto materno, bem como a ilusão de que uma mulher, para se sentir completa e realizada, precisa viver a experiência da maternidade. A autora realizou uma larga pesquisa histórica, demonstrando que, em determinadas épocas e lugares, o amor maternal não estava presente, sendo um fenômeno cultural.
Sejamos todos feministas (Chimamanda Adichie)
(Companhia das Letras, 63 páginas, tradução de Christina Baum)
Esse livrinho, na verdade, é uma transcrição de uma palestra de Chimamanda Adichie ao TED Talks. De maneira simples, clara e sucinta, Chimamanda explica por que se tornou feminista e por que é necessária uma discussão de gênero. Nas palavras da autora, “precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente”.