Efeito Nicéia Pitta: e se Cláudia Cruz resolver contar o que sabe sobre Cunha? Por Kiko Nogueira

Atualizado em 13 de julho de 2016 às 12:18
Nos bons tempos
Nos bons tempos

 

A petição enviada ao juiz Sérgio Moro pelos advogados da jornalista Cláudia Cruz deveria deixar Eduardo Cunha ligeiramente preocupado.

Segundo a defesa, ela não tinha como saber que os depósitos milionários feitos por Eduardo em sua conta oculta no exterior poderiam ter origem ilícita.

Cláudia tinha “confiança irrestrita” em Cunha — que está sendo acusado, na Lava Jato, de embolsar mais de 5 milhões de dólares em propina.

“Seria excessivo exigir de uma esposa que desconfiasse dos valores repassados pelo marido para gastos pessoais e instrução com filhos”, diz a peça.

“Comprar sapatos, bolsas e pagar escolas e instituições de ensino para filhos não tem natureza de ‘conversão em ativos lícitos’. Os recursos não foram transformados em ativos passíveis de operações posteriores, mas foram consumidos”.

A intenção é que Moro rejeite a continuidade da ação. Cláudia arrolou como testemunhas dois ministros do interino — Maurício Quintella, dos Transportes, e Bruno Araújo, das Cidades –, além de alguns deputados.

Em seu show da renúncia, Eduardo Cunha chorou ao se referir à família. O sujeito que envolveu a esposa e a filha em suas bandalheiras derrama lágrimas por vários motivos.

Um deles, óbvio, é provocar compaixão. Outro, talvez mais inconsciente, é o medo: e se ela resolver falar? E se topar uma delação contra ele? Afinal, ela foi traída por alguém em quem depositou “confiança irrestrita”.

Cláudia é ambiciosa, inteligente e viveu décadas como usufrutuária dos esquemas de Eduardo Cunha. O dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro, escreveu Nelson Rodrigues.

Agora: se ela está disposta a ir em cana por causa dele são outros 500 cruzeiros.

Não será a primeira e nem a última. Em 2014, a ex-mulher do deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ), braço direito do prefeito do Rio Eduardo Paes, mostrou gravações que o implicavam numa espécie de mesada de uma ONG.

Clássica, porém, é a história de Celso e Nicéia Pitta. Em março de 2000, durante uma crise política grave, o chamado Escândalo dos Precatórios, Nicéia deu uma entrevista falando que Pitta comprou vereadores que investigavam sua gestão numa CPI, entre outras acusações.

O casamento de 30 anos foi para o buraco, os dois filhos passaram a ser acossados pela imprensa, ela passou a dominar o noticiário e a carreira política de Pitta, ex-secretário de Finanças de Maluf, desmoronou.

Deixou o cargo em dezembro de 2000 como réu em 13 processos na Justiça. Oito anos depois, teve sua prisão decretada por não pagar pensão a Nicéia. Devia 150 mil reais. Como não foi encontrado para ser notificado, tornou-se foragido. Acabou se apresentando e cumpriu prisão domiciliar por um mês.

Pitta morreria em 2009 de câncer, isolado, esquecido, destruído. Nicéia, hoje Camargo, vive em paradeiro desconhecido, anônima, provavelmente realizada em sua vingança. Vai durar muito tempo.

Cunha não é Pitta. É branco, mais experiente, mais rico e conta com o apoio do cupincha Michel Temer e do governo interino, que existe por sua causa. Mesmo assim, é um fantasma.

Cláudia Cruz não é Nicéia Pitta. Ainda não, pelo menos. Mas tudo pode acontecer. Se ela abrir o bico, Cunha estará ocupado demais para chorar.