Por Osny Tavares
A rapidez com que a massa crítica brasileira analisou e denunciou o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff foi proporcional a um tempo em que a informação circula de forma quase instantânea. Porém, se a internet ainda a abertura ampla do espaço público, ainda carece da confiabilidade dos veículos tradicionais (embora saibamos que parte dela seja imerecida).
Começa então a luta pelo domínio da narrativa histórica dos acontecimentos políticos de 2016. É na arena ideológica que se definirá como as futuras gerações entenderão o processo que testemunhamos neste ano. Movimentos autônomos de sequestro da liberdade de expressão como o infame Escola Sem Partido, por exemplo, mostram que há na direita brasileira a disposição para um revisionismo precoce das reais movimentações e intenções do golpe. Seria uma espécie de “alvejante moral” para evitar o escrutínio das gerações que serão direta e fortemente atingidas por esse ataque frontal à democracia.
Para lutar o bom combate e impedir o predomínio de uma concepção histórica falsa, um grupo de militantes se organizou para colocar nas prateleiras das livrarias a obra “Crônicas da Resistência 2016 – Narrativas de uma Democracia Ameaçada”. A obra reúne artigos de intelectuais, jornalistas, professores, artistas, escritores e profissionais de várias áreas, que se posicionam contra a ruptura institucional representada pela deposição da presidenta Dilma Rousseff.
Cada autor debate suas impressões, vivências e experiência como forma de rebater o discurso dominante na mídia convencional, que tem obtido relativo sucesso em manipular e desmobilizar a população, vítima primeira de medidas a ser tomadas pelo grupo que tomou o poder. O perfil dos autores é heterogêneo. Há artistas, professores, economistas, um coletor de recicláveis, empresários, advogados, entre outros profissionais liberais. O publicitário João Alexandre Goulart, neto do ex-presidente João Goulart, assina um dos dos textos.
“O ataque à democracia cometido pela oposição exige de cada cidadão uma postura clara de defesa das instituições. A honra de nossa República está em jogo na diplomacia internacional, tanto que praticamente nenhum país reconheceu este novo governo. Com este livro, pretendemos adensar o debate e esclarecer alguns pontos discordantes, servindo como um contraponto à mídia convencional”, afirma a jornalista Cleusa Slaviero, editora da obra.
O livro conta também com a colaboração de alguns pesos-pesado da intelectualidade brasileira e internacional. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz em 1980, assina o prefácio: “O governo de Dilma Roussef foi vítima de uma intriga palaciana de deputados e senadores, com a cumplicidade de integrantes do poder judiciário e de setores do empresariado, que lhe aplicaram a metodologia de “golpe de Estado brando”, um mecanismo posto em prática em Honduras, contra o
presidente Manuel Zelaya, e no Paraguai, contra o presidente Fernando Lugo”, acusa Esquivel.
Leonardo Boff, referência brasileira e mundial em teologia e direitos sociais, analisa as movimentações político-sociais motivadas pelo golpe: “Um novo sujeito político surgiu nas últimas semanas: as multidões nas ruas, gritando pela democracia e “fora Temer”. Protagonistas estão sendo milhares de mulheres, revoltadas contra a cultura do estupro e também em solidariedade à mulher Dilma, vítima do inveterado machismo brasileiro. Outro protagonista novo são os jovens de todas as idades, conscientemente,
distanciados dos partidos, mas que reclamam por democracia, ocupam escolas por melhor educação e cobram reformas. Todos os dias são milhares e milhares enchendo as ruas com suas bandeiras e músicas. Seguramente, quem vai derrubar o impeachment serão as ruas.”
O livro está sendo lançado em Curitiba nesta última semana de julho, e em seguida começará a ser distribuído para livrarias em todo o Brasil.
*Osny Tavares, 30 anos, é jornalista