A mulher pode implicar com qualquer coisa nossa. Com nossos amigos. Com nosso carro. Com nosso cachorro. Com nossa mania de discutir sobre futebol como se fosse uma coisa realmente séria. Até com o talento culinário da nossa mãe. A mulher pode implicar com tudo o que quiser.
Exceto uma coisa: O pai.
A reprovação paterna é cruel como um velho cossaco russo (Meu tio Fábio, um homem sábio do interior, é quem dizia que os velhos cossacos russos eram cruéis. Nunca chequei, mas confio em meu tio, e então acredito na crueldade cossaca.) E poucas coisas se igualam, em toda a nossa vida, à aprovação paterna. A maior platéia de um homem é composta de uma pessoa só: seu pai.
Um amigo meu jogava futebol. Futebol sério. Não essas peladas de cervejeiros nos finais de semana. Batia de canhota. Jogou em estádios cheios, com torcida fazendo batucada. Ele me disse uma vez que, durante os jogos, sempre olhava para as arquibancadas à procura de seu pai.
Importava menos a opinião do seu técnico do que a de seu pai. Cada grande jogada que fazia pensava no pai. E quando perdeu um gol decisivo ele ficou arrasado porque sentia que decepcionara seu pai. Sempre entendi esse meu amigo perfeitamente.
Numa certa época da vida, na adolescência, gostamos de contestar o pai. Mas uma contestação de mentirinha. Somos, na adolescência, idiotas sem juízo, ignorantes presunçosos. Mas este estado de torpor intelectual não dura uma vida inteira. Envelhecemos, graças a Deus. E logo aprendemos que nosso pai estava quase sempre certo nos reparos que nos fazia em nossa adolescência. Matamos o pai, adolescentes, para ressuscitá-lo, ainda mais forte, na idade da razão.
E então digo a todas as mulheres do mundo interessadas num bom relacionamento amoroso: não mexam com o pai dele. Se não bastassem todas as razões que alinhei, haveria ainda uma outra.
O nosso pai, ao contrario da nossa mãe, é quase sempre aliado da namorada. Porque ele tem a esperança de que ela possa trazer juízo para o filho. Possa transformar o garoto num homem. No mais das vezes, é – para citar uma frase fabulosa de La Rochefoucauld que já utilizei numa coluna anterior – o triunfo da esperança sobre a experiência.
E agora a parte triste (quem quer coisas alegres mude agora, por favor, de post.) A morte do pai atira o homem num persistente estado de desamparo do qual ele leva anos, décadas para se livrar. Às vezes, nunca se livra. Pai morto. E então me ocorre a idéia de uma onda. Para enfrentá-la preciso bater os braços, bater os braços e ainda bater os braços. Para onde as braçadas levam? Francamente não sei, mas o que importa?
O que importa é bater os braços, bater os braços e ainda bater os braços.
Em memória de Emir Macedo Nogueira.