São tempos de popularização dos feminismos.
Insurgem-se feministas radicais, neoliberais, emancipacionistas, interseccionais (…) com necessidades e bases teóricas diferentes, em torno, no entanto, de uma pauta geral e discutida à exaustão: a equidade de direitos – inclusive e a começar pelo direito ao próprio corpo.
Neste que é tido como o século do empoderamento feminino, entretanto, há ainda uma onda de conservadorismo patriarcal inacreditável para estes tempos: uma parcela da sociedade que ainda insulta – cada vez mais sutilmente, e é difícil saber se isto é bom ou ruim – mulheres que fazem escolhas estéticas dissociadas dos padrões de beleza e feminilidade pré-estabelecidos.
Em outras palavras e para ser muito clara: mulheres que não reproduzem um padrão estético conveniente para o conservadorismo patriarcal ainda são violentadas de todas as maneiras em pleno século XXI.
E em pleno século XXI a estudante belga Laura De foi clicada pelo fotógrafo Florence Lecloux com os pêlos das axilas à mostra, em um projeto fotográfico de combate ao “bodyshaming” (vergonha do corpo, em tradução livre), e insultada após publicar a imagem em sua página no Facebook.
“Você me faz vomitar”, “Vagabunda” e “Que tipo de porca é você” são apenas algumas das mensagens de ódio direcionadas à estudante de filosofia que não queria nada além de fazer com o próprio corpo aquilo que tinha vontade.
Se por um lado nos assusta que reações como esta tenham surgido ainda nesta geração, por outro elas nos conduzem a uma inevitável e não menos triste constatação: a misoginia e a erotização feminina se complementam.
A partir de uma perspectiva conservadora e patriarcal – na qual estamos inseridos, invariavelmente – mulheres que não existem para o deleite masculino não são bem-vindas.
São as mulheres ditas “não-femininas”, que libertam-se, na medida de suas necessidades e de sua vontade, dos verdadeiros instrumentos de tortura que compõem os rituais de feminilidade: depilação, salto alto, intervenções estéticas, maquiagem, cabelos longos.
A isto o feminismo radical tem chamado de quebra da submissão ritualizada – que é justamente a desobediência aos rituais de feminilidade que nos mantém cativas à erotização e nos invisibiliza enquanto seres humanos.
Estas mulheres – Como Laura De e tantas a quem ela representa – não lembram as damas belas, recatadas, do lar e esteticamente perfeitas e não se parecem com as fogosas e depiladíssimas representações femininas na história do erotismo.
Os argumentos em torno da crítica à não-depilação feminina não assumem abertamente essa perspectiva misógina, e giram, para tanto, em torno de bases frágeis: dizer, por exemplo, que os pelos femininos são anti-higiênicos beira o patético se considerarmos que as barbas masculinas podem ser tão sujas quanto banheiros.
Assim como homens nunca foram ditos “feios” por não usarem maquiagem – como se apenas a beleza feminina precisasse ser plastificada – a eles também nunca se cobrou a depilação (muito pelo contrário, aliás).
A questão, portanto, como a esta altura já se deve desconfiar, não é higiênica, tampouco puramente estética. A questão é que mulheres não-depiladas – assim como as não-maquiadas, não-magras, carecas, “não-femininas”, enfim – não existem para o deleite masculino e afirmam isto em suas posturas (inclusive estéticas). O preço dessa assunção é a violência.
Se as mulheres ditas belas são cortejadas – mas não menos odiadas – àquelas que não sucumbem à submissão ritualizada é direcionada a mais crua violência, que é, em última análise, a misoginia nua.
Não se trata, portanto, de “gostar” ou “não gostar” de axilas, pernas e bocetas peludas. Trata-se de violentar as mulheres que optam por isto, como se seus corpos estivessem a serviço da estética patriarcal fetichizadora.
A questão, que é óbvia diante de uma jovem insultada por não depilar as axilas, é que quanto mais longe estivermos do ideal masculino estético e erótico, mais seremos violentadas.