O jornalista Ricardo Melo tem 61 anos e uma carreira sólida que ocorreu dentro das grandes redações do jornalismo.
Começou no jornal Folha de S.Paulo no final da década de 80, local que passou por três vezes como editor-adjunto de Mundo, editor de Opinião (responsável pelos editoriais), TV Folha e Primeira Página, além de ter sido colunista entre 2011 e 2015.
Também trabalhou na revista Exame, no extinto Jornal da Tarde, no Jornal da Bandeirantes, no Jornal da Globo, no Jornal da Lilian (Witte Fibe) dentro do Portal Terra, no Valor Econômico, no Diário de S.Paulo e no SBT.
Foi convidado para assumir o posto de diretor de jornalismo na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em agosto de 2015 a pedido do Conselho de Administração da Empresa (Consad) para substituir a jornalista Nereide Beirão. Em maio do ano seguinte, em plena crise política, foi nomeado pela ex-presidente Dilma Rousseff como diretor-presidente da empresa pública de comunicação.
Desde o início do governo interino de Michel Temer em 12 de maio, existe uma mobilização para tirar Melo da direção da EBC. Seu mandato está previsto para durar quatro anos, segundo o conselho curador da empresa. Seu posto seria ocupado por Laerte Rimoli, jornalista que coordenou a campanha de Aécio Neves em 2014 e assessorou a Câmara dos Deputados sob comando de Eduardo Cunha.
O ministro Dias Toffoli do STF soltou uma liminar mantendo Ricardo Melo no cargo. No entanto, após o golpe, o Supremo revogou a decisão e exonerou novamente o diretor no dia 2 de setembro. A medida provisória altera o estatuto de criação da EBC.
A nova liminar foi revogada em 12 horas e Melo divulgou uma nota pública em que afirma: “entendo que permaneço no comando da EBC até que seja formal e regularmente exonerado pelo Presidente da República”.
O DCM entrevistou Ricardo Melo para entender o desmonte da comunicação pública no governo Temer e a real função da empresa responsável pela Agência Brasil, Radioagência Nacional, Rádios EBC e TV Brasil.
DCM: O que o senhor tem a dizer de colunistas de direita que afirmam que a “EBC estava sendo aparelhada pelo PT”?
Ricardo Melo: Comecei a trabalhar na Folha em 1980 e depois fui pra Exame, Bandeirantes, TV Globo e outros locais, sempre na iniciativa privada. A minha primeira experiência com comunicação pública e mais próxima com o Estado só aconteceu em 2015 na EBC.
Não escondo de ninguém que militei no PT até 1985 e a última vez que participei do processo eleitoral foi em 1989. Isso é história de 30 anos atrás. Só busco meu título de eleitor pra tirar passaporte e pago a multa por não ir votar. Não voto em ninguém.
Se você quer alguém independente e apartidário, e eu não falo isso de maneira exagerada, essa pessoa é o Ricardo Melo. Nunca saiu nenhuma reportagem neste período tumultuado da EBC que colocasse o meu nome em questão.
DCM: A cobertura do impeachment feita pela EBC não foi partidarizada e acompanhou o dia a dia?
RM: Não cobrimos apenas o dia a dia, mas cumprimos a Constituição no que ela se refere à comunicação pública. Nisso, ela deve ocorrer em três níveis – informações estatais, sobre os atos do governo vigente; a privada, que vem da grande mídia; e a pública, que papel da EBC. O estatuto da empresa foi criado em 2008 com o objetivo de atingir o terceiro nível que é interessante ao público.
Num país como o Brasil, onde existe uma mídia oligarca na produção e praticamente monopolizada na opinião, há uma necessidade de outras vias de informação. A comunicação pública existe no mundo inteiro para dar voz a quem não tem voz mesmo dentro dos meios oficiais.
As críticas que existiram no processo de impeachment foram necessárias, mas nós ouvimos também os favoráveis no mesmo caso. A EBC ouviu o Movimento dos Sem-Terra, dos Sem Teto, as manifestações LGBT, além dos coletivos da juventude e as feministas. Do meu ponto de vista, essa diversidade mostra que a nossa cobertura foi equilibrada. Todos os lados tiveram um espaço equânime dentro da TV Brasil.
No dia da votação do impeachment, quando ergueram o muro da vergonha dentro de Brasília, posicionamos carros e repórteres dos dois lados. Em São Paulo, cobrimos tanto a Avenida Paulista tomada pelos pró-impeachment quanto os que foram contrários.
Coletivos de negros, feministas e muitas vozes não estão fora da comunicação pública no Brasil. E é necessário dar espaço para suas manifestações.
DCM: As vozes que são caladas na grande mídia vão perder espaço com a inutilização da EBC?
RM: É justamente isso que está em curso. O que está em jogo não é apenas o futuro da EBC, mas sim a comunicação pública no Brasil. O governo Michel Temer está aparelhando a EBC, que tem apenas oito anos de história. E isso é uma grande bobagem.
Um fato que demonstra bem o nosso trabalho. Em 2008, a EBC tinha 50% dos funcionários concursados ou ingressos da Radiobras. Hoje o percentual de profissionais vindos de concursos públicos saltou para 95%.
No momento em que é feita uma medida provisória dando poderes para o presidente de plantão fazer o que quiser da EBC, ai sim temos um risco real de aparelhamento da empresa pública.
Essa medida extingue o conselho curador da EBC.
DCM: E o que é esse conselho?
RM: É um grupo de pessoas indicado pela sociedade para gerir a Agência Brasil, a Radioagência Nacional, a Rádios EBC e a TV Brasil. Na medida m que a medida tira poder do conselho independente e concentra na mão do Temer, o aparelhamento é nítido e o grupo é anulado.
Quando foi criada, os fundos de financiamento da EBC foram construídos para que as suas atividades fossem geridas com independência. As operadoras de telefonia entraram com recurso para não pagarem impostos que sustentam a TV pública no Brasil. A ação congelou R$ 2 bilhões no Tribunal Regional de Brasília. Provavelmente o processo deve chegar no Supremo, embora as operadoras tenham sido derrotadas nas primeiras decisões.
DCM: Essa situação do financiamento público continua bloqueada?
RM: Operadoras como a TIM desistiram do bloqueio e mantiveram o financiamento para a EBC e suas coligadas. Televisões educativas em todo o Brasil dependem deste dinheiro de impostos. Com isso, há R$ 800 milhões retidos no governo porque algumas operadoras abriram mão do bloqueio. A questão é que não há liberação do uso da verba e isso não aconteceu apenas com Temer, mas sim nos governos anteriores.
A falta do uso do dinheiro público acontece, por uma série de burocracias, para manter o superávit primário da economia. A EBC depende do financiamento, do conselho curador e da indicação de diretores não coincidentes com os mandatos de presidentes da República, como foi meu caso. Tudo isso foi revogado pela medida provisória do governo Temer.
DCM: Por que você fala em aparelhamento da EBC?
RM: Um presidente nomear e destituir diretores numa empresa pública a seu bel prazer para mim soa como aparelhamento. A medida provisória permite isso e deve estar muito claro para quem está acompanhando o caso. É a morte da EBC como um instrumento da comunicação pública.
É por isso que estamos promovendo uma série de instrumentos para evitar esse desmonte, inclusive uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, e assim por diante.
DCM: Ricardo, o que você acha do perfil do jornalista Laerte Rimoli, ligado ao PSDB na campanha de Aécio Neves e ao Eduardo Cunha, e que vai substituí-lo?
RM: Eu acho que a sua pergunta já traz a resposta, né? Eu não o conheço pessoalmente, mas sei que ele fez carreira assessorando políticos e o último posto foi como assessor do Eduardo Cunha. Não é preciso dizer mais nada.
Fiz minha carreira e credibilidade na iniciativa privada. Agora eles dizem que querem desaparelhar a EBC colocando um jornalista com este perfil. Quem acredita nisso, como diz o Paulo Nogueira do DCM, pode acreditar em tudo, certo?
DCM: Como está o clima entre os funcionários nesse descontrole da EBC?
RM: Estamos tentando mantê-la com o funcionamento de antes, que foi aprovado com o próprio Michel Temer na vice-presidência. Os funcionários vivem um clima de apreensão em função da atitude do atual governo de tentar acabar com a comunicação pública, incluindo exonerações que são feitas e desfeitas.
O objetivo deles é acabar com a comunicação pública, mesmo sem saber direito como. Entre os empregados da EBC, a maioria está comprometida com as causas mais antigas da empresa e são a favor da continuidade desses princípios.
E digo mais: Eu, pessoalmente, vou até o fim por esses princípios. Sem violência física, mas dentro dos princípios do Estado Democrático de Direito. E há exemplos no mundo inteiro que dão certo.
DCM: Quais exemplos?
RM: A BBC dá certo há 94 anos na Inglaterra e é quase centenária na comunicação pública. Fora ela, que é um paradigma no setor, também existe a RAI na Itália e a NHK no Japão. É um perigo para a democracia no Brasil o tratamento que está ocorrendo com a EBC depois de apenas oito anos de história, desde sua fundação em 2007 pelas mãos da Tereza Cruvinel.
A EBC é nova, é uma criança que precisa de amadurecimento. Eu sou o primeiro a dizer que uma série de coisas que necessitam de melhorias na estrutura. Acredito que ela precisava ser repensada como empresa que compete no mercado como as outras. No entanto, qualquer mudança na EBC precisa ser discutida com a sociedade, como foram os debates e as votações na Câmara em sua criação.