Publicado no Justificando.
Ontem, 27, o Juiz Federal Sérgio Moro determinou a prisão temporária do ex-ministro da Economia Antônio Palocci, causando muita agitação no cenário político e jurídico.
Pela lei, a prisão temporária só pode ser decretada quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial, ou ainda quando o indiciado não tiver residência fixa e não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Além disso, a lei dispõe que o acusado deve estar sob a investigação de ter cometido um dentre uma extensa lista de crimes, como homicídio, sequestro, roubo. Diferente da preventiva, a prisão provisória tem um prazo de 5 dias, renováveis por outros 5.
Na fundamentação da decisão de prisão do ex-ministro, Moro disse que ela seria necessária, uma vez que não havia sido provado o recebimento de valores pelo ex-ministro. Sendo assim, a prisão era necessária para evitar o risco de fuga, enquanto se busca a prova de cometimento de crimes:
“Embora tenha sido identificada, em cognição sumária, o repasse de cerca de cento e vinte e oito milhões de reais em propinas, não foi possível rastrear ainda documentalmente os valores (…) é possível que os pagamentos tenham, em parte, ocorrido em contas secretas no exterior ainda não identificadas ou bloqueadas. Enquanto não houver tal identificação, há um risco de dissipação do produto do crime, o que inviabilizará a sua recuperação. Enquanto não afastado o risco de dissipação do produto do crime, presente igualmente um risco maior de fuga ao exterior, uma vez que os investigados poderiam se valer de recursos ilícitos ali mantidos para facilitar fuga e refúgio no exterior”.
O magistrado entendeu que cabia requisitos jurídicos para a decretação da prisão preventiva também pela gravidade concreta do crime, mas decretou a temporária, por ser, em sua visão, uma medida alternativa não tão grave.
Para juristas, decisão é repleta de erros técnicos
O Professor emérito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Promotor de Justiça aposentado, Afrânio Silva Jardim, explica que a prisão provisória necessita de dois requisitos básicos, isto é, o cumprimento de uma das duas alternativas descritas na lei, além de ser necessário que a acusação verse sobre um dos crimes listados – dentre os quais não estão os crimes supostamente imputados a Palocci.
Como professor da matéria, por 36 anos, posso me conformar com tal motivação? Posso dizer aos meus alunos que está legitimada a prisão destes indiciados? – questiona o Professor.
Para a Pesquisadora na Fundação Getúlio Vargas e Professora de Processo Penal, Maíra Zapater, apontar gravidade concreta do crime para decretar prisão preventiva é um erro técnico da decisão – “é muito comum ver decisões que decretam a prisão pela gravidade concreta do delito, mas esse requisito não está presente no Código de Processo Penal. O problema de se decretar preventiva com algo que não está na lei é óbvio, decreta-se uma prisão ilegal”.
Segundo a Professora, o momento de apontar a gravidade concreta é na hora da sentença e não antes, quando sequer há prova documental do crime. Maíra explica também que não cabe a ideia de subsidiariedade da prisão preventiva pela provisória, isto é, o entendimento de que para não decretar uma medida mais grave, determino uma menos grave – “por uma razão muito simples: os fundamentos jurídicos para uma ou outra são distintos e, além disso, ambas privam a liberdade”.
Primado da hipótese sobre o fato
Sem se referir ao caso concreto, o Juiz de Direito e Professor da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, Rubens Casara, lembra uma discussão sobre “o primado da hipótese sobre o fato, típico da mentalidade inquisitorial, naquilo que Cordero chamou de ‘quadro mental paranoico’, que faz com que o juiz assuma como verdade o que não passa de uma possibilidade”.
Para Casara, partindo do primado de hipótese sobre o fato, os efeitos geralmente são a responsabilização do acusado pela não confirmação da hipótese – Se faltam provas dessa hipótese, que ele [juiz] acredita ser verdadeira, se os fatos provados não vão ao encontro da fé do inquisidor, o juiz passa a acreditar que a culpa dessa ausência de provas é do investigado ou acusado.
Discutindo o tema em tese, Casara explica – “A mentalidade inquisitorial não admite a possibilidade da versão acusatória estar errada. Dentro do ‘quadro mental paranoico’, a ausência de provas tem um culpado: o investigado, que, ao longo da história do pensamento autoritário, acabava preso ou torturado na tentativa de se produzir as provas que faltavam”.
Já falando especificamente sobre o fato, o Colunista do Justificando e ex-Procurador Geral do Estado de São Paulo, Márcio Sotelo Felippe, lembra a Inquisição para comparar a prática de prender sem provas, com o fim de obtê-las ou ainda para confirmar uma suspeita. Segundo ele, o Estado de Direito não permitiria isso, mas a partir do momento que permite-se a um juiz estabelecer a exceção – lembrando o filósofo alemão entusiasta do nazismo Carl Schmitt – chegamos a um momento em que esse Estado de Direito não vigora mais.
“O estado democrático se caracteriza pela vedação absoluta dessas práticas. Era simplesmente assim que funcionava a Inquisição. Havendo suspeita, prendia-se para obter a confissão ou qualquer prova. Isto é a mais cabal demonstração de que vivemos em um estado de exceção. Carl Schmitt, o teórico jurista do nazismo, é o mestre de Curitiba” – afirmou Felippe.