Neste decepcionante domingo de eleições municipais no Brasil, em que golpistas foram eleitos a torto e a direito, a Casa da Música, na cidade do Porto, Portugal, recebeu o escritor português Valter Hugo Mãe para celebrar seus vinte anos de carreira literária e lançar seu novo romance, Homens imprudentemente poéticos (Editora Porto, sem previsão de lançamento no Brasil).
Com apenas quarenta e cinco anos de idade, Valter Hugo Mãe já tem publicados sete romances e livros de poemas e contos. Além disso, é artista plástico e cantor da banda Governo. Em 2007, recebeu o Prêmio Literário José Saramago, momento em que o próprio afirmou ter a sensação de “assistir a um parto da língua portuguesa” com a leitura do romance o remorso do baltazar serapião – em minúsculas mesmo; os quatro primeiros romances de Valter Hugo Mãe não possuem letras maiúsculas, tanto para destacar a oralidade de sua escrita quanto para demonstrar a democracia e igualdade entre as letras.
Em uma franca conversa com a jornalista Teresa Sampaio, Valter Hugo Mãe falou sobre a passagem do tempo, o medo da morte, seu lado espiritual e seu processo criativo. Sobre os seus quarenta e cinco anos recém completados, o escritor disse que “há qualquer coisa de obscura na passagem dos anos. O tempo não nos tem respeito e é malcriado”. Todavia, sente-se mais bonito do que nunca. Além de belo, Valter Hugo Mãe é cativante, simpático e divertido, embora tímido. Arrancou muitas gargalhadas da plateia, composta de cerca de mil pessoas.
Vê a espiritualidade como uma celebração, e não uma miséria nem nada que possa nos tolher. “Há qualquer coisa que me protege em instantes de quase sobrevivência”, disse, referindo-se a episódios que aconteceram variadas vezes em sua vida e que não podem ser explicados.
Para escrever o romance Homens imprudentemente poéticos, VHM visitou a floresta dos suicídios, no sopé do monte Fuji, Japão, para onde, desde meados do século XX, “aspirantes” ao suicídio se dirigem para meditar sobre o valor da vida e da morte. Como não há trilhas na floresta, atam fitas às árvores, a fim de que não se percam nos bosques labirínticos. Segundo o escritor, o primeiro impulso que nós, ocidentais, sentimos, é o de seguir as fitas e suplicar às pessoas que não se matem; mas, para Valter Hugo Mãe, o suicida, nesse tipo de caso, é alguém preparado para se entregar à natureza. Essas pessoas não se matam porque estão desesperadas, e sim porque suas vidas estão completas.
O novo romance conta a história do artesão Itaro – primeiro filho, em japonês – que vive em preparação para a morte, e os embates com seu vizinho inimigo, o oleiro Saburo. O escritor ressalta que, embora inimigos, os personagens opõem-se com respeito e cordialidade, e complementa: “assim deveria ser a política e a arte”.
Por ter escrito um romance ambientado no Japão, deixando de lado a cultura europeia, VHM sente-se novamente um autor estreante. O seu processo de escrita mudou com o tempo: agora, ao invés de corrigir e retocar o texto, deixa-o de lado e o reescreve. “É como se eu escrevesse vários livros ao mesmo tempo. Nunca se esgota o livro.”
A morte faz parte da sua escrita, pois o autor acredita que a literatura é um modo, ainda que ilusório, de protelar o medo de morrer. Mas, quando chegar o momento, “vou morrer freneticamente, chamando a atenção, estragando tudo à minha volta”. Não vê a morte como finitude, mas como completude.
Sobre a atual situação política no Brasil, Valter Hugo Mãe falou exclusivamente ao DCM que considera uma “grande confusão”; que esperava que o doloroso processo pelo qual passamos trouxesse mudanças positivas e melhorias ao país mas que, infelizmente, parece que as coisas não serão bem assim.