Todo 12 de outubro é a mesma coisa: a angústia de conseguir presentear as crianças da minha família sem compactuar com estereótipos de gênero. Na loja de brinquedos, a seção de meninas (?) é um universo cor de rosa. Doem-me os olhos.
Panelinhas cor de rosa, ferrinhos de passar cor de rosa, vassourinhas cor de rosa, bonecas cor de rosa, e, finalmente, um brinquedo que não remete a tarefas domésticas: varinhas de princesa cor de rosa. (Desapontada, mas não surpresa.)
Na seção de meninos (?), as possibilidades são infinitas. Carrinhos, bolas, bonecos de super-heróis, jogos de raciocínio e habilidades múltiplas, e uma certeza: para a indústria infantil, os meninos devem ser treinados para serem espertos e fortes. As meninas – não por acaso, no país de uma primeira dama bela, recatada e do lar – devem ser educadas para tornarem-se dóceis princesas.
Eis, portanto, um país culturalmente favorável para uma Instituição que teve a ideia brilhante e inovadora de criar uma Escola de Princesas. Meninas de 4 a 15 anos aprendem regras de etiqueta, maquiagem, culinária e organização da casa: uma verdadeira máquina de belas, recatadas e do lar.
Com o uniforme é sainha cor-de-rosa e camisa gola polo, as crianças são ensinadas a alcançarem o que a psicopedagoga e idealizadora da escola acredita ser o sonho de toda menina: tornar-se uma princesa impecável.
A ideia retrógrada, pasmem, tem sido um sucesso. Como não seria, aliás, se nossas meninas não são ensinadas a quererem nada além de tornarem-se princesas impecáveis?
Se você é feminista convicta em uma família conservadora, há de me compreender imediatamente: nossa luta contra o patriarcado começa em casa.
A minha, particularmente, é posta a prova todas as vezes em que elogiam a minha sobrinha chamando-a de “Princesa” e “linda”. Meu sobrinho é “esperto”, “forte” e “inteligente.”
Frases como “não existe brinquedo de menina e brinquedo de menino” ou “você é uma menina esperta e pode ser qualquer coisa que quiser, porque profissão não tem gênero” são imediatamente encaradas como “coisa de feminista-comunista-do-contra.”
Muitas dessas famílias enviariam suas filhas para uma escola de princesas cor de rosa – não porque as querem cativas, mas porque acreditam, e com todas as boas intenções possíveis, que princesas impecáveis é tudo o que elas podem ser – na contra-mão da despatriarcalização que já se apresenta, tímida, em muitos nichos sociais no Brasil.
Enquanto isso no Chile – um país em que sequer as leis que regulamentam o aborto e outras pautas feministas são flexíveis – há uma oficina de “desprincesamento”, criado pelo Escritório de Proteção de Direitos da Infância, que objetiva empoderar garotas com aulas de defesa pessoal, atividades manuais e artes.
Nenhum contraponto poderia ser mais reconfortante: Se no Chile, um país em que o aborto de fetos oriundos de estupro foi regulamentado apenas em 2016 , cria-se um curso de desprincesamento, por que não no Brasil? O que é uma Primeira-Dama bela, recatada e do lar perto de nosso desejo incessante de despatriarcalização e empoderamento de nossas meninas?
O machismo é uma questão cultural e estrutural, e a cultura, felizmente, não é fixa e estática: a cultura somos nós.
E, para não perder o otimismo (que parece ser a única saída), uma certeza: o Brasil que tem uma Escola de Princesas tem também um Movimento Feminista crescente e atuante – crescente, sobretudo, dentro de nós e de nossos círculos sociais.
No que depender de mim, as meninas da minha família continuarão aprendendo que os contos de fadas mentiram e que elas, sim, podem ser qualquer coisa que quiserem.