Talvez esse seja o nosso apocalipse.
Uma epidemia de loucura, que por já ter nos afetado, não percebemos.
É diferente de uma epidemia de cegueira, de sono ou que nos transforme em zumbis.
Um louco não sabe quando ficou assim, nem mesmo se de fato é ele que está louco ou se são ou outros.
Uma personalidade local de Ipanema, conhecida como Mulher de Branco, disse-me certa vez que ficou louca depois que uma manga caiu na sua cabeça. “Eu tava lá embaixo da árvore, a manga caiu e eu fiquei louca”. Acredito que ela estivesse sendo irônica.
O fato é que, segundo especialistas, passamos dos limites.
Tornou-se insalubre a convivência em sociedade, e o motivo é que cada um de nós está preso no próprio delírio, completamente incapaz de penetrar na maluquice do outro.
Como entender, por exemplo, os manifestantes que invadiram a Câmara dos Deputados para denunciar o comunismo no Brasil de Temer e exigir a intervenção militar?
A saída mais fácil é dizer que eles estão loucos, mas e se nós também estivermos?
Sentir raiva diante da demência alheia não seria um sintoma?
Ou o que sentimos é apenas desgosto e tristeza, pelos outros e por nós mesmos, pela nossa incapacidade de curá-los.
Pedimos então intervenção psiquiátrica. Mas e se os psiquiatras também já não souberem o que fazem? E se não existir cura?Ainda acreditamos que Bolsonaros podem se tornar pessoas razoáveis?
De todo modo, conversamos mais com nós mesmos, ouvindo o eco das nossas próprias palavras ressoarem entre nossos pares. Ou seja, como loucos que somos, falamos sozinhos, ainda que acompanhados.
E esperamos.
Esperamos pela epifania dos ricos, dos homens brancos privilegiados.
Esperamos pelo poder do voto, ou que o bolo cresça até explodir e derramar sobre todos nós a abundância desse mundo.
Esperamos por Godot e pela morte, mas estamos tão loucos que não sabemos disso.
Ou vez ou outra vamos às ruas, e, dependendo de quem o que seja o alvo do protesto, apanhamos da polícia. E voltaremos a apanhar sempre que possível.
E esperamos.
Por compaixão e discernimento. Ou pelo dia que o morro descer inteiro ao asfalto, pelo dia que os policiais mudarem de lado, pela nossa Bastilha.
Esperamos pelo fim da loucura, como sobreviventes que acreditamos que somos.
Como guerreiros diante do mal personificado na figura do outro, sendo a recíproca verdadeira.
E lutamos.
E esperamos.
E lutamos outra vez, a mesma cruzada civilizatória, contra dragões ou moinhos de vento, nunca saberemos.