“O que o MPL tem de responsabilidade nisso?”: ativista do grupo fala ao DCM. Por Donato

Atualizado em 6 de janeiro de 2017 às 16:56
O Passe Livre em 2013
O Passe Livre em 2013

 

João Doria prometeu, ainda em campanha, congelar as tarifas do transporte público em 2017. Gerou atrito com o padrinho Geraldo Alckmin, mas o tucanato encontrou uma saída malandramente engenhosa. A viagem simples ficará com o valor inalterado de forma que a divulgação da medida possa confirmar sua promessa.

Porém, reajustes de até 35,7% nas integrações entre ônibus, trens e metrô e no Bilhete Único Mensal, irão afetar o bolso de cerca de 23 milhões de passageiros, segundo dados da SPTrans.

O Movimento Passe Livre já tem organizado protestos nos municípios em que estão ocorrendo aumentos ‘não disfarçados’ no valor da passagem (Carapicuíba, Guarulhos, Santo André, Barueri, Osasco, Mauá), mas em São Paulo o truque do prefeito não irá passar em branco e o MPL já agendou a primeira manifestação.

O DCM conversou com o ativista Francisco Bueno, do MPL, sobre os próximos atos e o papel do grupo nas Jornadas de Junho de 2013, que acabaram evoluindo para manifestações de direita de milícias pró impeachment como as do MBL, Vem Pra Rua etc.

DCM: O que mudou de 2013 para cá? O MPL se sente usado pela direita? Existe uma autocrítica?

Chico Bueno: Não dá para ficar comparando. 2013 foi um contexto muito específico. Os 20 centavos foram centrais, pois expunham a precarização da vida das pessoas, a exclusão da classe trabalhadora. Mas se a resposta da direita ao Junho de 2013 é o que vemos acontecendo hoje no plano nacional, nos cortes de direitos, na flexibilização das leis trabalhistas e na recém aprovada PEC 55, o que o MPL tem de responsabilidade nisso?

Junho de 2013 foi uma grande revolta em torno do aumento da tarifa, mas manifestações que ganharam as ruas aos milhões e que deram início a um processo de intensificação da luta de classes no Brasil guardavam consigo uma tensão acumulada há décadas.

Um ato está marcado para o próximo dia 12. Acredita que um dia as manifestações pelo Passe Livre possam tomar a dimensão que já tiveram?

Desde 2013 as manifestações sempre tiveram uma quantidade de cerca de 20 mil pessoas, ou seja, sempre foram de grandes dimensões. Ainda que não causem o rebuliço nacional como ocorreu em 2013, elas se mantiveram fortes. Mas aquele ano teve uma conjuntura política e social que aglomerou diversas insatisfações que fizeram com que as manifestações ganhassem o volume que ganharam.

E isso não foi premeditado. Um outro fator importante é que, depois de 2013, o aparato repressor do Estado está muito mais complexo, mais equipado, mais violento, fazendo com que a manifestação acabe em poucos minutos. Depois de 2013 muitas vezes nem conseguimos sair com o ato. Essa repressão coloca medo em muita gente e é decisivo na continuação das lutas.

Em outros municípios estão ocorrendo reajustes na tarifa, mas aqui em SP a alteração do valor é apenas na integração e a gestão do novo prefeito Doria não classifica isso como aumento e sim como “redução no desconto”. É aumento ou não?

É aumento. Considerando que uma grande parcela dos usuários de transporte público precisa pegar pelo menos um ônibus para ir até alguma estação de trem ou metrô e, assim,  pagar a integração para ir e voltar do trabalho, um aumento no custo da integração significa um aumento (e tanto!) no custo do transporte no dia a dia das pessoas.

Apesar do empresário-prefeito João Dória e seu compadre Geraldo Alckmin tentarem enganar a população que utiliza o transporte coletivo diariamente chamando o aumento de reajuste, sabemos que é um aumento sim, já que as pessoas vão precisar de mais dinheiro pra circular pela cidade. A grande mídia tem feito coro a esse discurso dos de cima que tentam enganar os de baixo, mas a população não vai cair nessa!

Qual o impacto da medida?

Essa medida amplia a exclusão de quem não pode bancar a tarifa, relegando a cidade, seus equipamentos públicos, parques, hospitais, escolas e etc, apenas àqueles que podem pagar caro pelo seu deslocamento.  O aumento reforça a realidade de um transporte que exista somente para a população ir e voltar do trabalho, não podendo, de fato, se apropriar da cidade.  O aumento na integração faz com que o gasto mensal das pessoas com o transporte  seja ainda mais alto, pesando na renda familiar e piorando a qualidade de vida da classe trabalhadora.

Em um contexto de crise econômica e de escalada do desemprego, um aumento na tarifa do transporte, através da manipulação da integração, aprofunda a exclusão da população pobre e periférica  da cidade e de oportunidades de emprego longe do local de moradia, na maior parte no centro da cidade.  Por isso insistimos em afirmar que todo aumento de tarifa é uma questão política e não puramente técnica, como tentam fazer crer Alckmin e Doria.

Por que acredita que Doria esteja usando esse disfarce no aumento, é medo de protestos?

Uma das promessas que fizeram com que Doria fosse eleito foi a de congelar a tarifa do transporte público por 4 anos, mas como o interesse daqueles que financiam sua campanha – os empresários do transporte – se sobrepõem ao interesse da classe trabalhadora o prefeito, agora já eleito, voltou atrás.

A manipulação da grande mídia orquestrada por Doria e Alckmim para disfarçar o aumento tenta proteger a imagem do João Mentiroso e desmobilizar a população, pois temem a força que a luta pode ganhar nas ruas.

Doria deseja rever direitos já conquistados, como o passe livre concedido a idosos entre os 60 e os 65 anos. A luta pela gratuidade no transporte público ficou ainda mais difícil agora?

A retirada do passe-livre para idosos ou a extensão da idade necessária para ter acesso a esse direito precariza ainda mais a vida destas pessoas que recebem baixos salários ou aposentadorias. Sob estas condições é ainda mais árduo o esforço para se organizar e lutar, seja pelo passe livre ou outras demandas. A luta pela Tarifa Zero, pela total gratuidade do transporte coletivo, fica sim mais difícil.

A nova gestão dá sinais evidentes de que privilegia o transporte individual. Quer reabrir, por exemplo, o viaduto 9 de Julho para carros (era utilizado só por ônibus na gestão Haddad). Doria será um retrocesso muito grande? O MPL já tentou algum contato com a nova equipe?

Assim como Haddad, que aumentou 3 vezes a tarifa durante sua gestão e implementou uma política de corte de linhas na cidade, Doria se mostra um governante alinhado com os interesses daqueles que lucram com o uso do transporte público. A implementação do passe livre estudantil em 2015, a extensão das faixas exclusivas para ônibus e outras melhoras na qualidade do transporte foram conquistas pela luta da população, não são do prefeito Haddad.

Os retrocessos que a política empresarial do novo prefeito pretende implementar dependem que nós usuários do transporte não nos organizemos para lutar e barrar tais medidas. Somente a luta pode construir um transporte verdadeiramente público na cidade.

A PM sempre foi de extrema violência em atos do MPL, teme que a repressão possa se repetir?

Os empresários do transporte, que lucram com as tarifas absurdas, sempre tiveram o apoio do Estado para garantir seus lucros. A brutal repressão da PM e do CHOQUE aos atos tenta acabar com a luta e deslegitimar a pauta, e a gente não espera outra ação por parte deles. Nós precisamos resistir. Só assim podemos barrar o aumento.

 

mpl