Digo sempre que temos nos contentado com pouco.
Ficamos felizes quando vamos a algum lugar e não somos assediadas, ganhamos o dia quando a mídia nos trata com o mínimo de respeito, ficamos satisfeitas, frequentemente, com migalhas.
Eis que, depois de mais de vinte anos, a Globo decide vestir a Globeleza. Depois de mais de duas décadas vendendo o carnaval brasileiro como “bundas pretas disponíveis” e reforçando o estereótipo colonial e fetichizante que pesa sobre os ombros da mulher negra.
Substituíram a mulata tipo exportação por um retrato romantizado da miscigenação brasileira, e pensam que nós temos motivos para comemorar.
Sejamos honestos: não está fácil pra ninguém, nem mesmo para a Globo (em termos de audiência, não de repasses de dinheiro público, é claro). A nova geração tem desligado os televisores e mantido uma relação de felicidade e liberdade com a Netflix.
As opções para sabotar a Globo são infinitas. Pra muita gente, sabotar a Globo tem sido, na verdade, quase um instinto natural. Ninguém mais tem razões para aturar celebração televisiva ao turismo sexual.
Vestir a Globeleza não foi um ato de empatia, foi estratégico – admitir isso sequer dói, de tão óbvio.
Uma grande emissora precisa fazer, ainda que num teatro muito mal encenado, o que o seu público espera dela. A Globo entendeu isso há algum tempo, embora tenha se saído muito mal no intento: já teve até Fernanda Montenegro protagonizando beijo lésbico, como se a emissora se importasse com questões relevantes como a lesbofobia (e, no caso da Globeleza, como machismo e racismo).
É pouco, como o gol de honra após a goleada da Alemanha, o que não significa que seja ruim, que seja a prevalência da caretice sobre a liberdade – nudez nem sempre é sinônimo de liberdade (nesse caso específico, era da mais articulada violência).
Deixamos de ter uma mulher nua para representar o carnaval aos olhos da Globo? Ótimo, mas isso certamente não será suficiente para que eu gaste meu tempo com telejornais tendenciosos e novelas previsíveis.