Durante uma audiência, dia 12 de dezembro, para ouvir uma testemunha no processo sobre o tríplex do Guarujá, em que o Ministério Público Federal acusa Lula de ser o proprietário, o juiz Sérgio Moro gritou com um dos advogados de defesa, Juarez Cirino dos Santos. “Doutor, está sendo inconveniente. Já foi indeferida sua questão. Já está registrada e o senhor respeite o juízo!”, disse.
O advogado não se deixou intimidar. “Eu? Mas, escuta, eu não respeito Vossa Excelência enquanto Vossa Excelência não me respeita enquanto defensor do acusado. Vossa Excelência tem que me respeitar como defensor do acusado, aí então Vossa Excelência terá o respeito que é devido a Vossa Excelência. Mas se Vossa Excelência atua aqui como acusador principal, Vossa Excelência perde todo respeito”, respondeu o advogado.
Esse enfrentamento da defesa não foi um caso isolado. Dias antes, o próprio Cirino havia advertido Sérgio Moro de que suas perguntas iam além do teor da denúncia. Moro respondeu que havia “um contexto” e Cirino disse que só havia contexto na cabeça dele, porque as perguntas não podem ir além do que diz a denúncia.
Essa advertência foi interpretada no meio jurídico como um “puxão de orelha” do advogado em Moro e ganhou repercussão principalmente pelo fato de que Cirino é considerado um dos papas do Direito Criminal do Brasil. Além disso, Cirino tem 74 anos de idade e Moro, 44.
Professor universitário, Cirino tem um livro, “Curso de Direito Penal”, que é apontado como um marco acadêmico. “O melhor Curso de Direito Penal já escrito. Sim, de todos os tempos. Sim, em todo o mundo. “O” livro que você precisa, mas pode chamar de bíblia dos criminalistas críticos. É antes/ depois de Cirino (aC/ dC)” , escreveu, nas redes sociais, o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo, Maurício Stegemann Dieter.
O endurecimento da defesa de Lula, em relação a Moro, faz parte de uma estratégia para enfrentar um processo que Cirino considera atípico. “A Lava Jato é um processo político”, disse Cirino, em entrevista ao DCM.
“Vamos agir estritamente como defensores técnicos, mas sem deixar de denunciar o processo político subjacente aos processos criminais, como a única forma de defesa não apenas do presidente Lula, mas da própria democracia no Brasil.”, disse Cirino ao DCM, no mesmo dia em que se preparava para responder a uma citação a Lula, no quinto processo aberto contra ele em Curitiba.
A defesa de Lula, da qual Cirino faz parte juntamente com mais três advogados, teria dez dias de prazo para rebater 188 páginas da denúncia sobre um terreno no centro de São Paulo onde seria construído o Instituto Lula e o aluguel de um apartamento vizinho ao de Lula, em São Bernardo.
“Não tem uma prova, só suposições, mas vamos responder. Tecnicamente”, disse.
Leia os principais trechos da entrevista:
DCM – Por que a defesa do presidente Lula está mais agressiva?
Juarez Cirino dos Santos – A defesa de Lula não é uma defesa agressiva, mas uma defesa conflitual, ativa, ofensiva. Estamos enfrentando um processo que é nitidamente político. Um processo que tem aparência de processo criminal, mas é um processo político.
Alguns podem interpretar essa postura da defesa como desespero, diante de uma derrota iminente.
Essa interpretação é absolutamente equivocada. É uma estratégia da defesa. Na verdade, nos processos criminais contra Lula, não existem fatos concretos imputados, existem apenas suspeitas, suposições, hipóteses. Logo, não existe nada, absolutamente nada que prove o envolvimento do presidente Lula com fatos criminosos de qualquer natureza. O que existe é apenas isto: uma guerra judicial-midiática-conservadora para destruir a imagem pública e a figura política do ex-presidente Lula.
Enquanto o Ministério Público Federal promove processos políticos, sob aparência de processos criminais, contra o ex-presidente Lula, a defesa trabalha com argumentos jurídicos para destruir processos políticos em forma de imputações jurídicas. Em outras palavras: eles fazem um processo político, nós fazemos uma defesa jurídica, mas para que a defesa jurídica tenha possibilidade de êxito, é preciso denunciar o que está por trás disso.
E o que está por trás?
Algo de muito sério: o emprego do sistema de justiça criminal como arma de guerra política contra determinados inimigos internos, conhecido sob o conceito de lawfare, na literatura americana. Os objetivos dessa guerra política através do sistema penal são múltiplos: danificar a imagem pública do adversário, destruir a legitimação política do oponente, absorver/ empatar o tempo útil da vítima, obter vitórias na opinião pública contra o inimigo etc.
No caso Lula, a guerra legal promovida pelas forças tarefas do MPF, com a utilização da capacidade tecnológica de investigação da Polícia Federal e a aparente coordenação dos órgãos jurisdicionais competentes, pretende atingir simultaneamente todos e cada um desses objetivos estratégico-táticos, impossíveis pelos métodos normais de ação partidária – ou seja, com o debate público de programas políticos em campanhas eleitorais, o método tradicional de luta pelo poder do Estado nas sociedades capitalistas.
O uso da lei penal como arma ou instrumento de guerra política, pela ação integrada de procuradores da república e de juízes federais na Operação Lava Jato, por exemplo, representa grave perversão do devido processo legal, produzida por propósitos político-partidários subjacentes aos procedimentos policiais-judiciais, que solapam as finalidades político-criminais atribuídas ao sistema penal. Como se vê, existe uma organização política, um movimento ideológico, que tem por trás um partido político, que incentiva essa ação.
Que partido?
O partido que perdeu quatro eleições presidenciais para Lula e Dilma e não aceitou a última derrota. Então, vislumbrou no uso político oportunista de setores conservadores do Ministério Público Federal (e da Polícia Federal) e de alguns segmentos da Justiça Federal, a única forma de voltar ao poder.
O PSDB?
Sim, mas outros partidos políticos conservadores também se aproveitaram disso. O que querem é tirar um concorrente de peso do caminho. É um processo político.
Há chance de Lula reverter isso no Poder Judiciário?
Claro! Basta que o Poder Judiciário cumpra o papel constitucional de aplicar o direito ao caso concreto, independente de pressões políticas ou distorções ideológicas. Além disso, existem os recursos, que integram o princípio da ampla defesa, e vamos utilizar todos os recursos possíveis e disponíveis para demonstrar a improcedência das acusações, ou a óbvia parcialidade de alguns órgãos jurisdicionais brasileiros. Como sempre, vamos agir estritamente como defensores técnicos, mas sem deixar de denunciar o processo político subjacente aos processos criminais, como a única forma de defesa não apenas do presidente Lula, mas da própria democracia no Brasil.
Nesse contexto, como classificar a forma como o juiz Sérgio Moro conduz os processos contra Lula na vara dele?
O juiz Sérgio Moro é um magistrado competente, do ponto de vista técnico, mas que tem se comportado, do ponto de vista do processo criminal concreto, como o acusador principal.