A decisão que revogou a censura ao jornal Folha de S.Paulo no caso de Marcela Temer pode não ter efeito prático.
O jornal estava proibido de publicar informações sobre o processo em que Silvonei José de Jesus Souza foi condenado por tentar extorquir dinheiro de Marcela em troca de não divulgar mensagem que poderia “jogar o nome do vosso marido (dela, Michel Temer, presidente da República) na lama”.
O DCM teve acesso ao processo e nele não aparece o conteúdo da mensagem. A única referência é à troca de mensagens entre Marcela e Silvonei, ele pedindo dinheiro e ela ora dizendo que é montagem, ora colocando em dúvida que a voz fosse dela.
No relatório do inquérito da Polícia Civil, conduzido por policiais da confiança do então secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, não há referência a montagem.
Houve perícia realizada pelo Instituto de Criminalística no aparelho do hacker e a única imagem juntada foi a das mensagens que o incriminam.
Não há transcrição do áudio em que Marcela orienta o irmão, candidato a vereador em Paulínia, sobre o que fazer na campanha.
Segundo o advogado Valter Bettencourt Albuquerque, o primeiro dos dois defensores do hacker que atuaram no processo, Marcela diz para o irmão fazer como o cunhado e ter ao lado alguém como Arlon (Viana, assessor de Temer), que faz as ações “de baixo nível”.
O advogado diz que ouviu a gravação, mas não ficou com cópia. Na mesma gravação, transmitida pelo WhatsApp, Marcela, segundo Valter, parece se dar conta de que falou demais e “tenta consertar”.
“Ela então começa a dizer que é preciso se aproximar dos pobres, essas coisas que apareceram na imprensa”, afirma Valter.
Valter diz que, oficialmente, talvez o áudio nunca apareça, pois o Instituto de Criminalística ficou com a memória do aparelho e, como é praxe em casos de violação da intimidade, destrói o objeto de chantagem.
No processo é feita referência a fotos “seminuas” de Marcela, mas os policiais se referem ao fato como um registro normal em celular e iPad de donas de casa. Mas as fotos têm um caráter secundário no processo.
Também não é juntado nenhum desses retratos, o que é correto, já que existe a preocupação de preservar a vítima.
A ênfase é na conversa em torno do áudio, pois o hacker confessa que viu a possibilidade de “ganhar algum” com a ameaça de divulgá-la.
Nesse ponto, haveria valor de interesse público. Até porque o hacker diz que, vindo à tona, a mensagem poderia influir na votação do impeachment — ele escreve textualmente “impeachment”.
Para Valter, a mensagem não tinha poder para tudo isso. Ele compreende que a transcrição do áudio não era mesmo necessária para condenar seu cliente.
Mas nem todos os advogados pensam assim.
Se a mensagem era inofensiva, não havia grave ameaça. Portanto, a condenação do hacker poderia ser menor e, certamente, ele não precisaria estar na mesma cadeia em que se encontram autores de crime hediondo.
Como o áudio foi acessado por muitas pessoas que atuaram na investigação, embora não haja transcrição dele no processo, é difícil acreditar que ninguém ficou com cópia.
É provável que seja vazado — não por Alexandre de Moraes, que conquistou a confiança de Michel Temer justamente por causa dessa investigação e mereceu do chefe uma indicação para o STF, mas por alguém que coloque acima de tudo o interesse público do caso.
A resposta que interessa é: o que disse Marcela ao irmão que poderia jogar na lama o nome de Michel Temer?