Com a tarja preta do TSE, Aécio passa a ser definitivamente inimputável na Justiça. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 14 de março de 2017 às 15:44
Traja preta
Tarja preta

 

Depois do vazamento seletivo, a Justiça criou o depoimento seletivo, em que o magistrado decide o que o depoente deve ou não falar.

Ou, no caso deste falar, o que deve ser apagado do processo e, por conseguinte, da história.

O ministro Herman Benjamin, do TSE, mandou colocar tarja preta nos trechos do depoimento de um ex-presidente da Odebrecht, Benedicto Júnior, em que ele conta que repassou 9 milhões de reais, via caixa 2, ao PSDB, a pedido de Aécio Neves.

A decisão de Herman Benjamin não é a primeira que blinda políticos que não são ligados ao PT.

Em 2014, num depoimento gravado aos procuradores da Lava Jato, o doleiro Alberto Yousseff contou o que sabia do esquema de Aécio na estatal Furnas.

E o que aconteceu?

Nada.

Em 2015, a Polícia Federal vazou as mensagens encontradas no celular de Marcelo Odebrecht. O nome de José Serra foi escondido por tarja preta.

Recentemente, o juiz Sérgio Moro calou um delator, quando ele mencionou o presidente Michel Temer em depoimento.

De todos os blindados, Aécio é disparado o campeão e, ainda assim, o nome dele continua sendo mencionado pelos delatores.

O que aconteceria se a Justiça decidisse que o que vale para o PT valeria para Aécio, o PSDB e seus amigos?

Faltaria cadeia.

Aécio, como os menores de 18 anos no Código Penal, é tratado pela Justiça como inimputável – o que, de certa forma, dá sentido aos memes da internet que colocam o senador com tarja preta nos olhos, como faziam os jornais no passado, quando mostrava um menor envolvido em crime.

Dois pesos, duas medidas.

Em 2016, ao vazar para o Jornal Nacional os áudios de um grampo de telefonemas de Lula, Moro não poupou nem a mulher do ex-presidente, Marisa Letícia. No grampo liberado, ela aparece numa conversa privada com o filho, em que desabafa sobre os protestos com panelas.

A lei diz que conversas que não têm relação com fatos investigados não devem ser juntadas ao processo, muito menos tornados públicos.

Mas é justamente a parte em que Marisa diz ao filho – em conversa privada, repita-se — para os manifestantes colocarem a panela no lugar que ela considerava o mais adequado, que está sendo usado como prova contra ela.

O objetivo é desqualificar uma ação que a mulher de Lula moveu contra a União, por danos morais — mesmo com sua morte, o processo continua, já que é do interesse da família reparar os danos causados à imagem de Marisa.

Na ação, que corre na Justiça Federal em São Paulo, dois membros da Advocacia Geral da União (AGU) utilizaram o trecho para apontar uma suposta lacuna na ação de Marisa.

Segundo eles, Marisa omite essa declaração sobre as panelas, o que, na visão deles, comprovaria seu envolvimento com a “organização criminosa”.

É sério. Está no processo, que ainda não se tornou sigiloso, apesar do pedido dos advogados da AGU.

Na balança da Justiça de hoje, o que deveria ser sigiloso e até apagado do processo se torna prova. Já o que é prova – depoimento de delator – é encoberto pela tarja preta.

Ao blindar Aécio, a Justiça consolida o que já se tornou um padrão no Brasil: os valores mudam dependendo dos envolvidos.

Em 2012, quando ainda não havia Lava Jato, o Fantástico, da TV Globo, publicou reportagem de cerca de 10 minutos sobre um esquema de compra de habeas corpus para livrar traficantes da cadeia, em Minas Gerais.

Um primo de Aécio, coordenador de suas campanhas, é quem negocia a compra. A negociação é feita na sede de um alambique em que Aécio Neves dizia ser sócio.

Aécio, como governador, é quem nomeou o desembargador que vendeu o habeas corpus – o desembargador, então procurador de justiça, era segundo da lista tríplice quando Aécio o escolheu.

Mas o nome do ex-governador Aécio não é sequer mencionado na longa reportagem.

O que aconteceria se, em vez de Aécio, o comprador do habeas corpus para traficante tivesse Lula como primo?

A ligação de Aécio com os grandes veículos de comunicação é escancarada – Aécio fez uma estrada sob medida para a fazenda de Roberto Irineu Marinho em Botelho, Minas Gerais.

No seu tempo de governador, o avião do Estado de Minas Gerais era usado com frequência para levar e trazer seus amigos donos de jornal, revista e TV.

Mas, ainda que não usem aviões – Gilmar Mendes usou o helicóptero do governo de Minas — juízes, desembargadores e ministros deveriam se comportar de maneira diferente.

Pelo menos manter as aparências.

Afinal, o símbolo da Justiça é a deusa Têmis, que tem venda nos olhos e segura uma balança, com pratos iguais, a indicar que não há diferenças entre os homens quando se trata de julgar os erros e acertos.

No Brasil, dá para acreditar que a Justiça não vê quem julga nem usa pesos diferentes?