Um vídeo inédito do julgamento de Elize Matsunaga, a mulher que matou e esquartejou o marido Marcus Matsunaga em 2010, foi divulgado recentemente com exclusividade pelo G1.
Ela foi condenada a mais de dezenove anos de prisão pelo Tribunal do Júri.
O que Elize Matsunaga e o goleiro Bruno têm em comum?
Ambos mataram e esquartejaram seus parceiros amorosos.
Bruno matou Eliza e jogou seu corpo aos cachorros para não pagar a pensão alimentícia do filho que tinham em comum. Foi condenado a mais de vinte e três anos de prisão, mas aguarda julgamento do recurso em liberdade. Na saída da cadeia, foi recebido por fãs – um deles usando uma máscara de cachorro. Teve nove propostas de emprego.
Elize matou e esquartejou o marido após descobrir uma traição. Ela conta que, à época, ameaçou abandoná-lo e voltar à sua cidade natal, ao que ele respondeu que, se ela o fizesse, levaria um tiro. No fim das contas, quem levou um tiro foi ele. Seu corpo foi feito em pedacinhos e descartado em malas de viagem.
Ela foi condenada pelo Tribunal do Júri, pela mídia e pela sociedade. Sem fãs na porta da cadeia. Sem nenhuma proposta de emprego.
Vejamos: Elize conheceu a vítima quando fazia programas em um site de acompanhantes de luxo pra pagar a faculdade de Direito. Que tipo de relação pode existir entre um grande empresário e uma garota de programa? Quem acredita que, na atual conjuntura – num Brasil em que o machismo ainda é assustadoramente naturalizado e as prostitutas ainda são vistas como escória da sociedade – um grande empresário pode manter com uma garota de programa uma relação de respeito e equidade, deve também acreditar em coelhinho da páscoa.
Não é difícil acreditar que Elize era ameaçada, xingada e controlada pelo marido, como contou em juízo. Não é difícil porque, quando um homem se casa com uma garota de programa, ele sente como se tivesse lhe feito um favor. Não é difícil porque, mesmo quando a mulher em questão não é uma garota de programa, relações heteronormativas de respeito e equidade são artigo raro.
Quando você não tem com uma relação de respeito e equidade com o seu marido, esquartejá-lo certamente não é a melhor escolha. Mas e se faltasse coragem a Elize Matsunaga para matar o marido? Teria continuado vivendo sob ameaças e violência. Talvez fosse mais uma entre tantas Elizas Samúdio no Brasil.
E se fosse ele quem a houvesse matado, teria sido condenado a quase vinte anos de prisão? Talvez, mas certamente aguardaria o julgamento do recurso em liberdade. Certamente encontraria defensores, como encontrou o goleiro Bruno.
Quantos diriam que Elize mereceu morrer porque era uma garota de programa, exatamente como disseram sobre Eliza Samudio, à época do crime? Quanto vale, afinal, a vida de uma garota de programa no Brasil? (Quanto vale a vida de uma mulher no Brasil?)
Não se trata de justificar o injustificável. Não se justifica um crime com outro crime. Esquartejar uma pessoa que você amou um dia – esquartejar quem quer que seja, convenhamos – não tem justificativa.
Mas, diante de uma diferença tão abissal entre o tratamento que a justiça brasileira – e a sociedade civil – concede a um assassino homem e o que concede a uma assassina mulher, essa comparação não é apenas necessária, é urgente.
E é também urgente que perguntemos: por que Elize Matsunaga não está aguardando a tramitação de seu recurso em liberdade? Por que o Goleiro Bruno tem fãs e Elize Matsunaga tem perseguidores?
Porque ele é um homem e ela é uma mulher.
Eis a diferença mais gritante entre o feminicídio cometido por Bruno e o assassinato cometido por Elise: mulheres morrem apenas por serem mulheres. Homens morrem por inúmeras razões, mas nunca apenas por serem homens.
Quando um homem é vítima, ele é vítima. Ponto. Quando uma mulher é vítima, procuram seus antecedentes, escavam todo o seu passado em busca de uma justificativa – qualquer uma – que a torne menos vítima. Eliza Samúdio, a vítima de Bruno – que foi acusada, depois de morta, de ser também uma garota de programa, o que, para alguns, justificaria o feminicídio – é prova disso.
No Brasil, a caixa de Pandora está sempre aberta. A mulher é sempre a culpada – tenha ela esquartejado ou sido esquartejada. Não importa se você matou ou morreu: se você for uma mulher, a culpa é sua.