Por que meu filme sobre os paparazzi tem tudo a ver com a mídia brasileira. Por Daniel Florêncio

Atualizado em 2 de abril de 2017 às 18:36

POR DANIEL FLORÊNCIO, diretor de cinema nascido em Belo Horizonte e radicado em Londres.

 

Há alguns anos, no já defunto programa “Na Moral” da Globo, o ator Pedro Cardoso confrontava um paparazzo sobre os métodos e a natureza do seu trabalho.

O fotógrafo, em sua defesa, questionava a ausência de um personagem ali, o publisher responsável por comprar suas fotos e as publicar em colunas de fofocas para vender revistas ou render cliques. Ele se referia à própria Globo, segundo ele a sua maior cliente.

De fato o fotógrafo de celebridades, batizado por Fellini como “Paparazzo” em seu filme “La Dolce Vitta”, é apenas um elemento na escala de produção de notícias de fofoca. Acima deles existe toda uma engrenagem noticiosa, financeira, e acima de tudo política, que utiliza-se do interesse humano pela vida alheia como ferramenta de poder.

Afinal, o leitor que compra um tablóide ou entra em um site para saber em que pé está o affair entre os atores da novela, não o faz sem antes topar com outras notícias, colunas políticas ou econômicas devidamente processadas pelo filtro ideológico do veículo.

No Reino Unido, essa prática ganhou contornos mais audaciosos com o magnata de mídia Rupert Murdoch, que construiu um império midiático e de relacionamento íntimo com o poder sustentado pelos seus tablóides “The Sun” e “News of the World”.

No entanto, a dependência excessiva que esses jornais tinham de boatos, o invencionismo e o filtro ideológico evidente acabou transformando o tablóide no irmão irresponsável do jornalismo, e para evitar a contaminação dos seus veículos mais sérios, como o “The Times”, Murdoch teve o cuidado de os cercar e protegê-los dessas mesmas práticas.

O cenário no Brasil é um pouco diferente. O jornalismo de celebridades existe e é pujante, mas na ausência de tablóides relevantes com circulação nacional, não é raro se deparar com títulos considerados respeitáveis utilizando-se dessas práticas, especialmente na cobertura política.

E é dessas práticas que meu filme “Perseguindo Robert Barker” trata. É uma co-produção entre o Reino Unido, Brasil e a Islândia, teve parte de seu orçamento levantado através de crowdfunding, teve sua estréia mundial Festival Internacional de Cinema de Reykjavik, e é vencedor do National Film Awards no Reino Unido, onde concorreu com gigantes como Star Wars e James Bond.  

Ele é narrado sob a perspectiva de um fotógrafo recém ingressado no universo dos paparazzi e expõe a rede subterrânea alimentada pelos tablóides para conseguir furos sobre celebridades.

Paralelamente, aborda as práticas reveladas no escândalo das escutas telefônicas do “News of the World” no Reino Unido e no subsequente inquérito comandado por Lorde Leveson, que trouxe as claras as práticas criminosas dos tablóides, suas relações escusas com a polícia e a publicação de histórias falsas sobre personalidades e cidadãos comuns.

Enquanto o foco é o drama pessoal envolvendo o paparazzo David, um de seus objetivos é desnudar a postura e conduta dos agentes responsáveis por trazer a nós as notícias.

Esses agentes: jornalistas, editores e publishers, normalmente não são questionados sobre suas intenções ou posicionamento, e apesar da insistência em se auto declararem isentos, a realidade é que não o são.