Publicado no Tijolaço.
POR FERNANDO BRITO
Michel Temer não tem, no horizonte visível hoje, votos para aprovas uma reforma da previdência que vá além de uma demão de tinta rala.
A notícia, hoje, que pretende acabar com o abono salarial – um salário mínimo por ano pago a quem ganha até dois mínimos – mostra que a equipe econômica está mandando seu recado: as contas não fecham.
Esta “fórmula” é apenas uma bobagem, destinada a sinalizar que é preciso dinheiro. Porque mexer no abono exigiria o mesmo quorum de 308 votos (que não há), pois o pagamento está previsto na Constituição (§ 3º do Art. 239).
É preciso arranjar dinheiro, mas a pauta empresarial-rentista que está imposta a Temer o impede de fazê-lo pela via do imposto, apenas pela do arrocho.
E esta é cada vez menos palatável a parlamentares que vêem chegando o calendário eleitoral.
Hoje, no Valor, Raphael de Cunto resume a situação de Temer no parlamento, comparando-a aos “bons tempos” do Império de Cunha:
A diferença no comportamento da Câmara fica mais evidente quando se compara as votações do projeto da terceirização. Em 2015, sob a presidência do ex-deputado Eduardo Cunha, o projeto foi aprovado por 324 votos a favor, 137 não e duas abstenções. O texto votado no fim de março teve 231 sim, 188 não e oito abstenções. Ou seja, contra a opinião do governo (a presidente era Dilma Rousseff), Eduardo Cunha conseguiu quase 100 votos a mais que a proposta agora apoiada – e mal trabalhada, segundo os aliados – pelo Planalto. Os votos contrários e as abstenções também cresceram.
A ilegitimidade do governo fruto de uma conspiração era compensada na ideia – que pareceu possível – de produzir uma carnificina completa sobre os direitos sociais e o patrimônio público que, afinal, em boa parte vai se consumar, mas sem perspectivas de alcançar a solidez de algum tipo de pacto político, como registra Luís Costa Pinto, no Poder360:
A ausência de clareza e de firmeza nas teses propostas pelo governo para a reforma da Previdência traduz a falta de um projeto de longo prazo. Os recuos sucessivos dos negociadores políticos, e a condução atabalhoada da comunicação, são sintomas de uma desagregação perigosa da equipe palaciana e podem estar começando a revelar uma notícia aterradora: não há mais coelhos na cartola. Quando isso ocorre nos espetáculos dos magos de quintal é porque o fim da festa se aproxima.
Este fim de festa será especialmente danoso para o país.
De um lado, vai acelerar o ritmo de liquidação de tudo o que houver a vender, à cata de recursos que tornem menor o rombo gigante.
De outro, vai açular os apetites de poder das transviadas instituições brasileiras e atirar a disputa eleitoral para fora do “convencional”, com o, a esta altura, quase inevitável aventureirismo que experimentamos há quase 30 anos, pois esta é a alternativa possível à direita que se agregou a um governo que entrou em decomposição.
O que ocorreu com Sarney, ao que tudo indica, acontece agora com Temer.
O único “problema”, desta vez, é que o “rapaz valente” está ainda agarrado à carcaça que apodrece.