Por Miguel Enriquez
O vetusto e carcomido Estado de S.Paulo, o mais chapa branca entre os veículos da mídia familiar em circulação no país, se superou na edição desta sexta feira, 19. Em sua página de opinião, o jornalão da família Mesquita dedica a nota principal, que recebeu o título de “A hora da responsabilidade” a desqualificar as denúncias de corrupção envolvendo o presidente Michel Temer e o senador tucano Aécio Neves e o grupo JBS.
O primeiro parágrafo do texto mostra à perfeição o desagrado da casa com as revelações publicadas pelo jornal O Globo. “Este grave momento da vida nacional deverá passar à história como aquele em que a irresponsabilidade e o oportunismo prevaleceram sobre o bom senso e sobre o interesse público. Tudo o que se disser agora sobre os desdobramentos do terremoto gerado pela delação do empresário Joesley Batista, em especial no que diz respeito ao presidente Michel Temer, será mera especulação. Mas pode-se afirmar, sem dúvida, que a crise é resultado de um encadeamento de atitudes imprudentes, tomadas em grande parte por gente que julga ter a missão messiânica de purificar a política nacional.”
Em vez de questionar o envolvimento e a responsabilidade do presidente e do senador no episódio que abalou a coalização golpista que sustenta o governo, o jornal prefere recorrer à teoria da conspiração para defender o indefensável e limpar a barra da dupla de malfeitores.
“O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado os votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência.
Implicar Temer em uma trama para subornar o deputado cassado Eduardo Cunha a fim de mantê-lo calado, como fez o delator, segundo o pouco que chegou ao conhecimento do público, seria suficiente para justificar seu afastamento e a abertura de um processo contra o presidente – o Supremo Tribunal Federal já autorizou a instauração de inquérito.”
Mas a pérola do texto, que desnuda a hipocrisia do Estadão e sua adesão incondicional ao conceito de dois pesos e duas medidas em linha editorial, fica por conta da sua veemente condenação à pratica de vazamentos de parte da força tarefa da Lava Jato.
Ignorado durante todo o longo período em que o alvo exclusivo da Polícia Federal e dos procuradores era o Partido dos Trabalhadores, o jornal, que se beneficiou à larga em suas páginas da antecipação seletiva dos depoimentos, o expediente do vazamento subitamente se torna condenável, quando os amigos entram na mira da Operação capitaneada pelo juiz Sérgio Moro.
O editorial fala por si mesmo. “Não é de hoje que há vazamentos desse tipo – e isso só pode ser feito por quem tem acesso privilegiado a documentos sigilosos. Ao longo de toda a Operação Lava Jato, tornou-se corriqueira a divulgação de trechos de depoimentos de delatores, usados como armas políticas por procuradores.
O vazamento a conta-gotas das delações dos executivos da Odebrecht que envolvem quase todo o Congresso Nacional, mantendo o mundo político em pânico em meio a especulações sobre o completo teor dos depoimentos, foi um claro exemplo desse execrável método.”
Pano rápido, como escreveria o grande Millôr Fernandes.