Como era esperado, o relator do processo de analisa a denúncia criminal contra Michel Temer, deputado Sérgio Zveiter, aceitou conceder autorização para o Supremo Tribunal Federal julgar o presidente da República. É uma decisão inédita, que dará a Temer mais um registro negativo pelo qual passará à história: acusado de corrupção passiva.
O voto de Zveiter considera a denúncia do procurador geral da República, Rodrigo Janot, consistente, ao contrário do que alegava a defesa. “Os fatos descritos são muito graves”, disse ele. Zveiter também destacou características do homem honesto e demonstrou que não as encontrou no caso da relação de Temer com o empresário Joesley Batista.
O encontro entre os dois, que Joesley gravou, foi sigiloso, sem identificação na portaria, na garagem do Palácio do Jaburu, para tratar de assunto de interesse público como se fosse uma questão de interesse privado.
Zveiter, no entanto, disse que a aceitação da denúncia não significa considerar Temer culpado. É a oportunidade que o Poder Judiciário terá de processá-lo e, dependendo do resultado do processo, condená-lo ou absolvê-lo.
Na dúvida, salientou Zveiter, no caso da denúncia deve prevalecer o interesse da sociedade. “In dúbio pro societate (na dúvida, em prol da sociedade)”, disse. O processo interessa à sociedade.
Diferente do que ocorre ao final do julgamento, em que a dúvida deve favorecer o acusado. A Lava Jato, na jurisdição de Moro, subverteu esse princípio, mas nos países civilizados é esse princípio que rege o julgamento justo.
O parece de Zveiter não significa, entretanto, que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados autorizará o processo contra Temer.
A tendência é que Temer consiga os votos necessários para barrar a aprovação. Isso na CCJ, não no plenário. É que, em cima da hora, os líderes partidários alinhados a ele trocaram os titulares da CCJ.
Óbvio que não fizeram isso para contrariar Michel Temer, que passou os últimos dias em reunião com dirigentes partidários e pressionou ministros para que fizessem corpo a corpo com as lideranças na Câmara dos Deputados.
Um dos deputados substituídos, delegado Waldir, de Goiás, saiu atirando:
“Dois anos e meio nessa comissão como titular e aí eu tomo consciência pela imprensa que eu não presto. Eu não vendo meu voto, não troco por cargos, por emendas. Lixo, lixo de governo”, gritou. “A minha vaga foi vendida ao governo”, acrescentou. “Governo corrupto, vai cair”, disse ainda.
Delegado Waldir é um dos parlamentares que deram o voto mais enfático pelo impeachment de Dilma e, portanto, ajudaram a colocar no Michel Temer no Palácio do Planalto. Agora, ao que parece, seu compromisso é outro.
Não é a primeira vez que Temer age para escolher quem vai julgá-lo. No caso da denúncia do TSE, o processo não foi a julgamento até que ele indicasse dois ministros e garantisse a rejeição da denúncia.
Recentemente, a Associação dos Procuradores da República lhe entregou a lista com os três procuradores mais votados pela categoria como indicação para ocupar a vaga do procurador Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro.
Lula e Dilma sempre escolheram o primeiro da lista. Temer escolheu o segundo nome: Raquel Dodge. É ela quem terá a missão de acusar o presidente da República a partir de setembro. Sabe que foi uma escolha fora do padrão dos últimos 14 anos. Raquel Dodge foi uma escolha pessoal de Temer.
Agora os deputados começam a se manifestar na CCJ. Além dos titulares, outros quarenta parlamentares podem usar o microfone. Os deputados que fazem parte da comissão podem pedir vista e adiar o julgamento do parecer.
A sessão deve durar pelo menos mais vinte horas. De qualquer forma, o parecer deve seguir para o plenário, aprovado ou não, e ali, como ocorreu nos processos de impeachment, cada um deve dar seu voto, aberto.
Para Temer, bastam 172 votos, abstenção ou ausência para rejeitar a denúncia. Aceita a denúncia, Temer se licencia do cargo por até 180 dias. Depois disso, se for absolvido, volta ao cargo. Condenado, começa a cumprir pena.
O que definirá o destino de Michel Temer é a pressão popular.
É fato que já existe articulação de bastidores para dar a Rodrigo Maia o lugar de Temer – Zveiter é ligado à Globo. Mas, num caso como esse, em que o voto é um precioso ativo negociado em balcão, o povo na rua e manifestações em geral costumam ser decisivos.