O presidente do Egito se outorga poderes absolutos — mas tudo “em nome da democracia”
“Não há meio termo, não há diálogo”, disse o advogado e Prêmio Nobel da Paz Mohammed ElBaradei. “Não há espaço para o diálogo quando um ditador impõe as mais opressivas e repugnantes medidas e, em seguida, diz ‘vamos negociar o resto’”. O presidente Mohammed Morsi venceu a eleição presidencial de junho passado de forma justa, mas muitos egípcios estão com medo de que seu decreto de 22 de novembro varra de lado as conquistas democráticas. O decreto dá a ele poder absoluto, embora ele jure que só por um tempo limitado.
Morsi já estava governando por decreto, aguardando uma nova eleição parlamentar. Seu último decreto declara que os tribunais não podem desafiar qualquer um de seus editais. Também afirma que ele pode tomar as medidas necessárias para derrotar indefinidas “ameaças à revolução” – e ninguém pode perguntar se essas medidas são legais e justificáveis. Em teoria, pelo menos, Morsi deu a si mesmo poderes maiores do que os do ex-ditador Hosni Mubarak.
Isso é tão intrigante quanto alarmante, uma vez que nada na trajetória de Morsi sugeria que ele queria ser o próximo ditador do Egito. Ele é um membro proeminente da Irmandade Muçulmana e compartilha de seus valores conservadores religiosos e sociais. A organização, principal oposição aos ditadores militares em meio século de tirania, já percorreu um longo caminho desde as suas origens radicais e por vezes violentas.
Morsi é um lobo em pele de cordeiro, apenas esperando a chance de impor a lei islâmica sobre liberais, cristãos – enfim, todo o povo egípcio? Como se pode explicar o que ele acabou de fazer?
A resposta é fundamental. Se o Egito, de longe o país árabe mais populoso do mundo (90 milhões de pessoas), sucumbe a uma nova ditadura, então a “Primavera Árabe” era apenas uma ilusão breve.
As ações de Morsi estão equivocadas, mas o que ele quer é frustrar os planos do Conselho Superior de Magistratura, composto de juízes quase todos da era Mubarak. Eles tentaram barrar a feitura da nova constituição. A Assembleia Constituinte, escolhida em junho, também enfrentou problemas. Morsi moveu-se rapidamente, não apenas se outorgando poderes supremos, mas proibindo o Conselho Superior de fechar a Assembléia Constituinte. Também deu uma margem extra de dois meses para terminar de escrever a Constituição, após a qual ela teria de aprovada num referendo.
Só então (talvez em maio) Morsi promete abrir mão de seus poderes extraordinários. O Egito teria, então, uma constituição islâmica. O que está acontecendo agora, portanto, não é o surgimento de uma nova ditadura, mas uma manobra política cruel que visa criar um Egito democrático, mas islâmico. Naturalmente, isso assusta boa parte dos 49% de egípcios que votaram contra ele e os 8 milhões de cristãos do país.
As medidas de Morsi têm sido recebidas com protestos veementes nas ruas, além de provocar a formação de uma Frente de Salvação Nacional, que visa unir todos os grupos não-islâmicos para rescindir seus editais. Seus líderes incluem três dos candidatos de oposição do pleito deste ano.
As eleições produziram uma maioria parlamentar e um presidente que quer impor a lei islâmica, e seus adversários estão usando vários dispositivos legais na tentativa de interromper o processo. Além disso, uma nova constituição impondo a lei islâmica certamente obteria um “sim” no referendo popular.
A questão é que as maiorias religiosas em uma democracia não devem tentar impor seus pontos de vista sobre outras minorias. Morsi já está mostrando sinais de querer um acordo – mas, como ElBaradei apontou, ele não pode tomar medidas extremas sozinho e, então, dizer ao Egito para dividir a responsabilidade.
O artigo acima foi traduzido, a pedido, do site americano Common Dreams.