PUBLICADO NA REVISTA CARTA CAPITAL
Independentemente do juízo de valor que se possa emitir sobre as reformas realizadas por Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, todas contaram com a legitimidade do voto popular para propor e implementar mudanças nas políticas públicas. Não é, definitivamente, o caso do governo Michel Temer.
O Brasil vive um desses momentos cruciais de sua jovem democracia, em que a natureza transitória de um governo não poderia se impor ao desejo das urnas. Não tenho dúvidas de que num país maduro os poderes públicos e a sociedade saberiam estabelecer e impor os limites da transitoriedade. Infelizmente, não é o que ocorre no Brasil.
Seria razoável esperar do Congresso, do Judiciário e da mídia mais responsabilidade, justiça e, no mínimo, uma ação reparadora para que o projeto rejeitado na eleição de 2014 e levado à prática por um golpe parlamentar não se tornasse irreversível. Mas há, ao contrário, cumplicidade, parcialidade e sustentação de uma situação ilegítima, desde que sirva aos interesses dos derrotados nas urnas.
A venda da Eletrobras, a desverticalização e o desmonte da Petrobras e a entrega do controle da Vale, entre outras danosas medidas, evidenciam o caráter antinacional deste governo e daqueles que o sustentam, com ou sem entusiasmo, por envolvimento direto ou por puro oportunismo.
O projeto aprovado nas urnas em quatro eleições presidenciais consecutivas é a antítese do que tem sido feito por Temer e sua corriola, em parceria com o PSDB, que havia tido o seu projeto privatista e de Estado mínimo rejeitado pelo voto popular.
Derrotado nas urnas, o PSDB fomentou a crise e forneceu aos golpistas os quadros encarregados do trabalho sujo na área econômica, sobretudo os atentados à soberania nacional, colocando bens públicos em liquidação em especial para grupos estrangeiros.
As impressões digitais do PSDB estão na Petrobras, com Pedro Parente, na Eletrobras, com Wilson Ferreira, estavam no BNDES, com Maria Silvia Bastos Marques, e na Vale, com Fábio Schvartsman. Temer conta com o PSDB para destruir os principais instrumentos de desenvolvimento de um Estado nacional e soberano.
Este governo não tem direito de fazer o que faz. Quando votou em Dilma na eleição de 2014, a sociedade aprovou outro programa de governo, outro projeto nação, exatamente o oposto do que os golpistas aplicam.
O desmonte do Bolsa Família e do programa de cisternas, recentemente premiado pela ONU, são, talvez, a expressão mais mesquinha de um governo antipopular. O fim de programas consagrados, aprovados pela população, reconhecidos e imitados mundialmente, não pode ser encarado como natural.
Crescem os escândalos de corrupção e Temer e seus aliados mais próximos, preocupados apenas em tentar salvar a pele, produzem uma crise social e econômica, desânimo e insegurança jurídica e outros retrocessos.
As urnas, numa democracia real, são soberanas. Mais do que um nome, delas emergem um rumo para o País, uma opção de política de desenvolvimento e um projeto de nação. A eleição proporciona legitimidade ao processo de tomada de decisões que será desenvolvido durante o mandato.
Os 54 milhões de votos destinados a Dilma Rousseff que emergiram das urnas em 2014 sinalizaram claramente a opção pelo fortalecimento das empresas e os bancos públicos, a democratização do acesso ao ensino, por uma política habitacional que priorizasse os mais pobres, entre tantas outras. Todas tinham a marca de um governo de caráter nacional e popular.
Temer não tem autoridade moral e política para revogar o projeto democraticamente escolhido pelo povo. Ele rouba uma escolha feita pela maioria. Tornou-se um ladrão de sonhos, exterminador de futuro e de direitos. Um governo especializado na rapinagem de direitos e da soberania nacional.
Vivemos um Estado de exceção. Pobre Brasil.
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Carlos Zarattini é deputado federal, líder do PT na Câmara dos Deputados.