A delação do doleiro Lúcio Bolonha Funaro deveria motivar o debate sério sobre a validade do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Um debate estritamente jurídico, não político, para anular a votação que abriu caminho para a cassação de Dilma.
É que Lúcio Bolonha Funaro contou, em delação premiada, que entregou a Eduardo Cunha dinheiro para comprar o voto de deputados, às vésperas do impeachment.
Informa a revista Veja, que teve acesso ao roteiro da delação premiada de Funaro, homologada esta semana pelo Supremo Tribunal Federal:
Na véspera da votação da aceitação do processo na Câmara, Cunha enviou uma mensagem a Funaro perguntando se ele teria disponibilidade de recursos para comprar os votos necessários para que a Câmara aprovasse a abertura do processo. Sem outros detalhes, Funaro diz que disponibilizou o dinheiro.
O Supremo Tribunal Federal nunca enfrentou a questão da validade de decisões tomadas pelo Congresso Nacional mediante compra de votos.
Mas esboçou um debate na época do julgamento do mensalão.
Em uma das sessões, o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo, chegou a afirmar que, se o STF considerasse que houve compra de votos, deveria, então, anular os efeitos de leis votadas, como a reforma da Previdência.
O ministro Celso de Mello também questionou, em argumentação, a validade das leis votadas.
Mas outros ministros, como Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Rosa Weber, avaliaram que a legalidade das leis não estava em questão.
Na época, um juiz de primeira instância em Minas Gerais mandou reajustar o valor de uma pensão paga a uma viúva, por entender que a reforma da Previdência em 2003 não era válida, já que teria havido compra de votos.
Em sua decisão, o juiz considerou a reforma “inválida” em razão de “vício de decoro parlamentar”.
É claro que essa decisão foi revista nas instâncias superiores, pois só ao Supremo Tribunal Federal caberia questionar e anular as leis aprovadas mediante compra de votos no Congresso.
Mas a decisão do juiz faz sentido, embora não tenha eficácia.
Se a compra de votos de eleitores leva à cassação de mandato, como ocorreu recentemente no Amazonas, por que deveria prevalecer uma votação no parlamento maculada pela corrupção.
Alguns podem argumentar: compra de votos acontece em todas as votações no Congresso.
Sim, em grande parte, como mostram as delações, mas a compra de votos para afastar uma presidente eleita por 54 milhões de votos é um escândalo de dimensões infinitamente maiores.
É um atentado contra a democracia e todos os valores que ela representa, principalmente o da soberania popular.
Dificilmente alguma autoridade provocará o debate para a revisão do impeachment com base na delação de que houve compra de votos.
Mas não há dúvida de que essa denúncia fundamentará as páginas da história, quando se contar que, em 2016, o poder econômico, aliado à mídia e com a anuência do Poder Judiciário, derrubou a presidente Dilma Rousseff.
A delação de Funaro é a maior evidência de que todo aquele processo foi golpe.