Publicado no Justificando.
POR SAMUEL BRAUN P. LIMA, ex Porta-Voz Estadual da REDE RJ e Ex Coord. Executivo Nacional de Ativismos e Mov. Sociais REDE
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
– Darcy Ribeiro
“Nunca me preocupei com rótulos. (…)
O que importa é a prática política;
o que importa são os posicionamentos que se tomam
ao lado de determinadas camadas sociais
em defesa de teses que interessam à nação como um todo”.
– Miguel Arraes
Que aqueles que desejam realmente entender o que ocorre na REDE leiam esta como verdadeira, mesmo que por exercício de reflexão. Ela realmente vale muito mais para quem fica, para ter uma idéia do que vai enfrentar, do que para quem já chegou à conclusão que é necessário sair.
Dos sonhos
Há quatro anos redescobri a alegria na política. O prazer de sonhar com um serviço – pois política é serviço público – para o bem comum feito com diálogo, com igualdade, liberdade, fraternidade. Buscando consenso, dialogando com paz, atrás de um projeto de combate às desigualdades, sejam elas econômicas, raciais, de gênero, orientação sexual, etárias, quais fossem. Era 2013, Junho pulsava, as assembléias nas ruas, os cartazes de cada um e cada uma se apresentando sem representantes, e eu embarcava junto do queridíssimo Luiz Eduardo Soares no sonho conjunto de fazer política em rede, de sair daquele gigantesco poder destituinte para um constituinte necessário. Organizar um partido sobre esses ideais, um partido pela democratização da democracia, pela maximização do poder dos movimentos, dos indivíduos, dos periféricos, um projeto progressista em todos os sentidos, atualizando a esquerda de seus dogmas empedernidos. O então Movimento Nova Política iniciava coleta de assinaturas pela criação da Rede Sustentabilidade.
Mergulhei com tudo de mim. Quantas viagens de ônibus pela madrugada indo e voltando no mesmo dia para discutir em São Paulo e Belo Horizonte as plataformas tecnológicas e sociais para esse novo partido. Quantos dias ajudando a colher assinaturas, a escrever alterações no estatuto, a contribuir com o manifesto, a entregar nos cartórios as assinaturas para validá-las. A pé, caminhei por toda a Zona Oeste do Rio de Janeiro, indo em cada seção eleitoral. Colocamos de pé um partido construído com nossos ideais, com nossas metodologias, para ser nosso, de quem quisesse compartilhá-lo, mas essencialmente, um partido dos movimentos, dos ativismos, da renovação da esquerda numa sociedade em rede. Foi nesse partido que, há exatos dois anos, em 22 de Setembro de 2015 estive em Brasília, no TSE, celebrando a sua legalização. Assim também, em finais do mesmo ano, eleito para a direção estadual do Rio de Janeiro, e em Março de 2016 para a Executiva Nacional, na função que eu mais almejava: Movimentos Sociais e Ativismos, ao lado de uma das minhas inspirações para esse partido, Giowana Cambrone.
A Rede-sem-rede
Essa deveria ser uma história de celebração, mas infelizmente é apenas mais uma história de resiliência. Embora alimentado pelo mais verdadeiro desejo de renovação de milhares, e mesmo pelo voto de milhões, a REDE de verdade, aquela que é independente de seu Estatuto e Manifesto, a REDE de quem manda no partido de fato é não só mais um partido centralista, conservador e autoritário, mas tudo isto com um grande outdoor de boas vindas na entrada, um convite perfeitamente caiado por fora para um sepulcro.
“E eis que cumpre contar, resumidamente, como de uma plataforma em rede para os ativismos superarem o monopólio dos partidos na política virou um partido sem movimentos, sem ativismo e com um apanhado das velhas práticas de velhos atores desgastados em suas velhas estruturas.”
Desde que assumimos a Coordenação Nacional de Ativismos e Movimentos Sociais, dois objetivos foram colocados: regulamentar a atuação destes num partido em rede e estruturar sua atuação. No final de 2016, com os recuos necessários da negociação desta regulamentação com os velhos atores empoderados do partido, a Resolução que define a forma de atuação destes Setoriais foi aprovada. Filiados e não-filiados interagiriam livremente em torno de pautas, a vida partidária se daria preferencialmente ali, e seria ali também a principal porta de entrada da REDE. Os Elos Setoriais e Temáticos deveriam ter ainda voz, voto e financiamento no partido.
Esqueça-se o velho cacique burocrático, os recursos do Fundo Partidário deveriam alimentar esses Elos, seus ativismos, e estes deveriam ter garantido seu poder decisório nos rumos do partido. Infelizmente tudo isso ruiu ao ser posto em apreciação. Vivo em minha memória, e na gravação da reunião, dirigente nacional lutando com êxito para impedir que os Elos Setoriais tivessem voto nas instâncias diretivas, depois também que tivessem direito de participar das reuniões, e por fim, a extinção de qualquer obrigação financeira do partido para com eles. Tudo com sucesso. Acabava ali a REDE, com o apoio tácito de toda a direção nacional, salvo raras exceções.
Em cima desta certidão de óbito, que pensei ainda ser um nascimento em incubadora, tentamos organizar no ano não eleitoral de 2017 um Congresso de Ativismos e Movimentos Sociais, reunindo todos os ativistas do país inteiro. Fiz um orçamento espartano, cerca de 36 mil reais dos cofres da Nacional para por centenas de militantes em Brasília. Debater metodologias, escolher as direções, enraizar a verdadeira REDE pelo país. Ainda nesse bojo, com o julgamento do TSE, a ideia de um grande acampamento, com caravanas vindas de todo o país. E a resposta não poderia ser mais verdadeira, mais explícita sobre qual REDE se formou: quem for militante de verdade que pague sua própria vinda. E isso com centenas de pessoas já mobilizadas, que mal poderiam arcar com sua alimentação, mas estavam dispostas a encarar dias de viagem de ônibus para atuar em rede pela cassação da chapa.
“Ali, naquela resposta seca de que para isso não havia dinheiro, numa escala entre um caro voo e outro do dirigente maior que emitia esta sentença, encontrava-se a verdade sobre a Rede Sustentabilidade: um partido artificial, nem de quadros, muito menos de massas e nenhuma vontade de ser em rede.”
Da beleza e do caos
Nem Congresso, nem acampamento, nem voz, nem recursos para estruturação. Os Movimentos Sociais e Ativismos da REDE deveriam esperar a próxima eleição para levantarem cartazes e distribuírem panfletos. Me voltei então para minha missão regional. Em Outubro de 2016 havia sido eleito Porta-Voz Estadual, no muito repercutido processo de desfiliação de Luiz Eduardo, Marcos Rolim, Liszt Vieira, Miriam Krenzinger, Tite Borges, Sônia Bernardes e tantos outros. A saída destes está inserida num processo macro de disputa dos rumos do partido, que à época não nos era compreensível. Ex-dirigentes locais, também nacionais, viram seu poder de negociação no interior do Estado do Rio dinamitado com a nova direção Estadual, e encontraram no desejo de um álibi para intervir no Rio dos sumo-sacerdotes nacionais do partido a combinação perfeita. Em plena campanha eleitoral, criam uma comissão interventora, comandada justamente por estes ex-dirigentes locais, que ao fim e ao cabo precipitam a saída coletiva no Elo Estadual. Creem estar ali sua chance de retomar o comando do Rio e descaracterizá-lo como espaço de resistência em torno dos ideais originais progressistas da REDE. Convocam plenária para sorrateiramente apresentarem sua chapa para assumir o comando do partido no Estado.
Esse processo só não termina ali pois foram surpreendidos com a sublevação de muitos representantes dos municípios do interior que, atônitos com a imposição desta chapa única, rapidamente se organizam em torno de outra chapa, esta a qual tive a honra de ser o porta-voz. Vencemos sob os berros de “vota logo” do outro lado, que não acreditando na nova derrota, retirou-se prometendo invalidar aquele resultado por cima. Dito e feito. Eleitos em Outubro, só fomos encontrar posse em Janeiro, após três meses de limbo enquanto a Nacional buscava meios de dar cargo para quem não tinha os votos.
A solução para o impasse se deu com uma composição com a chapa minoritária. Solucionou-se o impasse da composição, impôs-se o impasse pro partido. Mesmo recepcionados na direção contra a vontade do Elo Estadual, brandiam contra a direção estadual, que compunham, e defendiam a sua dissolução. Ali, em finais de 2016, na metade do mandato, já pretendiam a via da intervenção. Nos meses que se seguiram, mesmo tendo eu diversas vezes tentado implementar a regionalização e interiorização das instâncias do partido, sua atuação era obstinada em nada aprovar, tudo obstruir, a fim de que no caos, emergissem como interventores.
Nem progressista, nem democrática
Nesse processo desacreditei não somente da “democratização da democracia”, mas também da aludida cultura de paz. Foi numa destas reuniões que fui vítima das vias de fato, com diversas testemunhas, e vi o agressor ser prestigiado, dias depois, com uma promoção nacional. Nacionalmente, aliás, vi uma das maiores lideranças autoproclamadas da REDE, hoje sem cargo eletivo, enquadrar todos que lutam por uma rede progressista como “puxadinhos do PT” e “lambedores de saco de Lula”. Assim, repetidas vezes, em todos os fóruns possíveis, geralmente pelas costas da bancada federal, a quem acusava de não servir ao partido. Essas afirmações aqui encontram amparo nas gravações das reuniões nacionais e no Telegram da Executiva. Nunca foi escamoteada essa construção de “nós x eles”, essa polarização introjetada. Superar a polarização é o discurso pra fora, pra dentro, dividir entre “verde-amarelos” x “vermelhos” é a prática.
A polarização aflora no impeachment para só crescer a partir dali. Aliás, se houve algum dia o interesse destes dirigentes hegemônicos de compor com a diversidade, desistiram disso no processo do impeachment, onde o Elo Nacional era majoritariamente contrário e, sem alegar qualquer fato que modificasse o posicionamento, a não ser um cálculo eleitoral, minutos antes de ficar 12 horas incomunicável, a liderança maior opina favorável ao impedimento, levando nas horas subsequentes à uma romaria de mudanças de voto – em solidariedade irrestrita à liderança, e não por convicção.
É certo que os dois votos no Congresso dados pela REDE pelo impeachment nada mudou no seu curso, mas mudou muito no curso interno do partido, especialmente na desistência da pluralidade a partir dali por parte destes dirigentes nacionais (dirigentes, aliás, que dão sinais de se perpetuar: eram direção antes da oficialização, continuaram após e já se acomodam na Fundação Nacional). Foi a partir daí que os interesses pulsantes dos desempoderados do Rio encontrou guarida na vontade interventora da Nacional. Era preciso derrotar esses focos “esquerdistas”. No Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, onde estivessem. No Sul, um apoio ao PMDB foi o bastante para deixar claro qual era o rumo do partido. No Rio, um ano e meio de sufocamento, com suspensão dos repasses do Fundo, com a retirada das senhas dos sistemas da Justiça Eleitoral, com a modificação nos resultados das eleições, com o descumprimento das decisões locais.
Do crime de radicalizar a democracia: culpado
Esse é o contexto dos acontecimentos dos últimos 15 dias. Quando convocaram o Elo Nacional para intervir no Rio em cima de um “parecer” feito na surdina, este porta-voz estadual convoca todos @s filiad@s do partido no Estado para se manifestarem livremente.
“A Nacional então exaspera-se e tenta antecipar sua reunião para impedir o Rio de minimamente opinar. Não me resta alternativa senão antecipar também nossa reunião. Reunimo-nos, conforme o estatuto, e afirmamos que não aceitaremos intervenção. Viro, então, alvo a ser destruído”.
Em poucas horas, uma das ex-dirigentes do Rio, daquelas que se sentiam desempoderadas que já citei acima, formula uma representação contra mim por atritos pessoais, encaminha para a Executiva Nacional, que se reúne às pressas, e vota, com a participação da própria denunciante, um afastamento imediato de todos os meus direitos político-partidários, sem qualquer amparo estatutário. Mais: emitem, sem sequer ser aprovado, comunicado tentando impedir a Plenária Estadual. Filiad@s ficam assustados ao receberem “avisos” destes nacionais que “se forem à plenária….”.
Me afastam de imediato da Executiva Nacional, do Diretório Nacional, do Elo Estadual e da Executiva Estadual. Decidido por fim por apenas 21 membros de um Diretório de 100. O argumento? Estaria denunciado ao conselho de ética. Ora, os mesmos dirigentes que nomearam interventora noutro Estado uma filiada com processo avançado no mesmo Conselho de Ética, suprimiu todos os meus direitos sumariamente. A denúncia, claro, é mero subterfúgio para justificar um golpe político. Nem aparência de legalidade pretende ter. Mas a verdade é que, como consta em email entre eles, “é preciso parar urgentemente esse rapaz”, em referência a convocar os filiados justamente quando estão para concluir um ano e meio de intervenção. Pretendem ainda, na denúncia que escreveram, julgaram e aplicaram, sem que eu sequer tivesse acesso, me afastar dos gabinetes em que esteja empregado. Claro, para eles parece só ser possível fazer política estando pendurado num cabide, nunca bater cartão num emprego concursado e doar seu tempo pra militância.
O processo que adotaram em meu desfavor é simbólico do que verdadeiramente se tornou a REDE. Para impedir uma plenária de filiados, visando enfim fazer uma intervenção declarada no Rio de Janeiro, afastando assim os “puxadinhos”, elaboram uma denúncia sem provas, não dão direito da parte sequer saber do que é acusada, condenam eles mesmos sem citar qualquer previsão estatutária, e divulgam, no site do partido, o nome do alvo de sua fúria. E mais, para que não reste dúvida de que não irão parar em mim, fazem o mesmo contra outros dois filiados, também do Rio, e divulgam, publicamente, um parecer institucional nacional atacando a direção estadual, enquanto aprovam um “GT” para coordenar os próximos passos no Rio. Entenderam? Não há espaço para acreditar nas regras e nas instituições na REDE. Nesse processo todo, é importante frisar, para ser justo: a liderança maior não tomou parte. Nunca. Nem neste, nem no da saída dos dirigentes em 2016, nem nos xingamentos de “puxadinhos e lambedores de saco”, nem no de agressão, nem em nenhum outro nesses dois anos de existência do partido e suas polêmicas – exceto, claro, no impeachment.
Para continuar a sonhar os sonhos
Qual a razão para persistir num sonho que transmutou-se em pesadelo? Este pensamento avassalador tomou conta de mim quando Jaqueline Gomes de Jesus e Guilherme Galvão Lopes, dois conselheiros nacionais da Fundação Rede Brasil Sustentável, se desfiliaram. Não havia lugar para mulher, trans, negra, nem pro jovem. Poderia permanecer num partido onde não tenho votos, mas tenho representatividade de ideais, mas jamais, jamais onde tenho votos e no entanto a diferença de princípios é tamanha que a democracia, que pra mim é fundamental, para a prática dos hegemônicos do partido é só uma peça de marketing.
Um partido onde com honestidade só se pode suspeitar que os 22 milhões de votos não passam hoje de capital político disponível no mercado. Onde não se afirma projeto político, já que fora os parlamentares tachados de puxadinhos, sobre os grandes temas sociais há pouca ou nenhuma posição. Não há também afirmação de candidatura, uma vez que não se busca maior representação para ter chances eleitorais, seja com novas e selecionadas adesões, seja com um debate de alianças, mesmo que embrionário. Propus caravana de debates pelo país, propus abrir um amplo debate programático, ou participar do Quero Prévias ou Vamos… Pra que? Se a “reflexão do papel a desempenhar” dura exatos quatro anos sob a “cadeira cativa de candidato”? Quatro anos onde não se pode afirmar um projeto, pois precisa ficar o mais flexível possível para ser, ou não ser. Quem tem fome tem pressa, e não só pressa, tem certeza. Sabe o que quer, de que lado e pelo que luta. A práxis é a reflexão com ação, na REDE descobri algo como a obstrução pela “reflexão”. Não se pode afirmar, nem refutar, muito pelo contrário.
É para preservar meus ideais, minha combatividade, minha fé de que é possível mudar esse país com participação (e não variados tipos de intervenção), de que logo mais reuniremos as forças progressistas e democráticas em algo que não seja artificial – e tenho certeza de que em breve verei novamente muitos (e são muitos, e são bravos!) que neste momento permanecem – que comunico a minha renúncia do cargo de Porta-Voz Estadual do Rio, pedindo para tanto o descadastramento como presidente estadual no TRE, a renúncia ao Diretório e Executiva Nacional e minha desfiliação da REDE Sustentabilidade. Ouvi, nesses anos de REDE, que é preferível perder ganhando do que ganhar perdendo. Este “fracasso” faz parte de meu aprendizado e de minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.
Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 2017.