Pais que levaram os filhos para ver “gente nua” em museu de Paris falam da tentativa de censura à arte no Brasil

Atualizado em 9 de outubro de 2017 às 22:24
Criança no Museu D’Orsay: campanha diz “tragam seus filhos para ver gente nua”

POR WILLY DELVALLE, de Paris.

 

Uma campanha para incentivar os pais a levar os filhos para ver gente nua. Poderia ser no Brasil, mas é no Museu d’Orsay, em Paris.

Há dois anos, banners com a mensagem “tragam seus filhos para ver gente nua” foram espalhados pelo transporte público da cidade, o que, de acordo com os organizadores, foi um sucesso e não resultou em polêmicas.

A proposta é retomar a campanha neste mês. Depois que o artista Wagner Schwartz foi acusado de pedofilia, junto com o Museu de Arte Moderna de São Paulo, depois de um vídeo que uma criança toca o corpo dele nu durante uma performance, imagino se uma ideia como seria posta em prática no Brasil.

Perguntei a visitantes do D’Orsay, que é repleto de esculturas e quadros representando a nudez, o que eles pensam tanto sobre a campanha e também expliquei a eles o ocorrido no Brasil.

Para a francesa Martine, de 57 anos, a iniciativa francesa é muito boa. “É uma outra maneira de ver o corpo, interpretada pelos artistas de uma outra época, quando o corpo não tinha a mesma visão que hoje”.

Ela, cujo filho tem 32 anos, disse que se ele fosse criança o traria do mesmo modo ao museu, “sem nenhuma dificuldade”.

Para Martine, o que ocorreu no Brasil foi um exagero. “Pedofilia não tem nada a ver com isso. Há um artista que tira fotos de pessoas nuas, fotos magníficas. Não tem nada de chocante”, opina.

O inglês Peter, 80, traria o neto. “É importante que as crianças apreciem a arte”, afirma. Sobre o caso do Brasil, ele acredita que a orientação cabe aos pais. “A criança precisa entender que não é sexual, que é arte. O papel dos pais é fazê-la entender isso e observar suas crianças. O mais importante é que a criança que vá assistir a uma performance como essa tenha a maturidade necessária.”

O alemão Holger, 50, tampouco vê problemas na nudez. No entanto, ele avalia que essa percepção depende da cultura. “Aqui na Europa, é menos complicado do que em outras partes do mundo. Às vezes, coisas que têm a ver com religião são muito diferentes.  É uma questão de tempo que as coisas se tornem mais fáceis”, declara.

Alessandra, italiana de 56 anos, defende que a nudez pode ser interpretada e apreciada de outro modo quando o assunto é arte. “Para não chegar à pornografia, depende da idade das crianças, da educação cívica e moral”, observa.

No caso específico do Brasil, ela diz que as instalações modernas não devem ultrapassar “a moral pública e individual”.

E que “se isso (uma criança poder tocar o corpo de um artista nu) fazia parte de uma interpretação artística… Depende de qual parte do corpo. Eu acho que não é grave”, pondera.

A americana Susan, 71, discorda da reação de setores da sociedade brasileira à performance de Schwartz. Perguntada sobre a campanha do museu francês, ela traria seus filhos sem problema algum. “É história. É um trabalho clássico. As crianças precisam ver isso”, diz.

Museu D’Orsay

Seu conterrâneo Bill, 61, não vê problemas em nenhum dos casos. “É parte da vida. Um fato da vida. Isso aparece nos livros. Se apresentado corretamente pelos pais, não há problema”.

A também americana Liana, 42, trouxe a filha Sofia, 11, para visitar o museu. Para ela, nudez na arte é uma forma de apreciar a forma humana. E ela mesma pergunta à filha o que acha. “Eu não gostaria de ver isso (risos)”, diz Sofia, 11.

A russa Julia, 43, que veio acompanhada do filho adolescente e da irmã, também avalia como parte da arte ver pessoas nuas, mas critica a possibilidade de uma criança tocar o corpo de um artista.

“Ele poderia pensar melhor sobre as consequências e não fazer isso”. Mesmo assim, ela discorda do ponto a que chegaram as críticas. “Não é correto acusá-lo de pedofilia”.

Também encontrei brasileiros. O primeiro aceitou dar entrevista, mas decidiu interrompê-la logo no início quando seu grupo disse que ia entrar na instituição. O outro também aceitou ser entrevistado, mas diante das perguntas, preferiu não participar. “Sou ultraconservador”, justificou.

No Museu d’Orsay estão obras dos séculos XIX e XX, assinadas por, entre outros, Van Gogh, Auguste Rodin e Paul Gauguin. A nudez aparece principalmente nas esculturas, com referências ao ideal de beleza da Grécia Antiga.

Mas o nu também é utilizado para falar de tristeza, solidão, da condição humana, sua existência, divisões sociais, miséria, inocência, valores culturais, natureza.