“O pior analfabeto é o analfabeto político”: Uma entrevista com Bertolt Brecht. Por Camila Nogueira

Atualizado em 21 de junho de 2016 às 21:54
“Muitos juízes são absolutamente incorruptíveis; ninguém consegue obrigá-los a fazer justiça.”

Bertolt Brecht foi um poeta, dramaturgo e diretor de teatro alemão, conhecido principalmente pela Ópera dos Três Vinténs. A obra foi adaptada para o cinema três vezes. A música “Mack the Knife”, vinda do musical, é um clássico do jazz, e foi gravada por artistas como Frank Sinatra, Louis Armstrong, Bobby Darin, Ella Fitzgerald, Robbie Williams e Michael Buble. Brecht, um socialista fervoroso, é nosso convidado para mais uma “Conversa com Escritores Mortos”. 

Herr Brecht, o senhor foi um entusiasta das ideias marxistas e sempre se manteve ligado à política, não é?

Sempre fui politizado, pois só podemos mudar a realidade quando somos instruídos por ela. Devo acrescentar que, para mim, o pior analfabeto é o analfabeto político.

É mesmo? Por que?

Ele não ouve, não fala, nem participa de eventos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do arroz, do peixe e da farinha, do aluguel, dos sapatos e da medicina, tudo isso depende de decisões políticas. O analfabeto político é tão estúpido que é com orgulho que afirma odiar política. O imbecil não imagina que é da ignorância política que nascem as crianças abandonadas, os piores ladrões de todos, as prostitutas, os maus políticos, corruptos e lacaios de empresas multinacionais e nacionais.

Por falar em prostitutas e ladrões, Herr Brecht, não posso deixar de pensar em sua vasta obra teatral. Sua colaboração musical mais famosa foi Die Dreigroschenoper, a Ópera dos Três Vinténs – com Kurt Weil –, uma adaptação de Ópera dos Mendigos de John Gay. O protagonista, Macheath – ou Mack the Knife – é um anti-herói com, por assim dizer, um código moral bem questionável. Não desejo ser indiscreta, mas gostaria de saber se o senhor simpatiza com seu personagem?

O bastante para parafraseá-lo – Não sei o que é pior: Roubar um banco ou fundá-lo.

Essa é uma verdade incontestável.

Tenho para mim que a única verdade realmente incontestável é que a vida é uma vadia e então você morre.

Que verdade mais pessimista…

Mas é uma verdade. A maior parte das pessoas teme a morte, e eu lhes diria uma única coisa – Temam menos a morte do que a vida insuficiente.

O senhor disse certa vez que, “do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama de violentas as margens que o comprimem”. Que margem são essas?

A justiça é uma delas. A justiça é simples e solenemente feita para a exploração daqueles que não a compreendem ou daqueles que, em situação miserável, são impedidos de obedecê-la. Os tribunais sofrem desse mesmo problema; muitos juízes são absolutamente incorruptíveis: ninguém consegue obrigá-los a fazer justiça.

Quais medidas o senhor acha que devem ser tomadas para remediar essa situação tão desigual?

Em primeiro lugar, alimentar os pobres. Para quem está bem de vida, falar de comida não é nada demais. É compreensível: Eles já comeram.

Hmmm…

Algumas pessoas acham que possuem a missão de purificar os pobres dos sete pecados. Mas deveriam alimentá-los, e então dar início à pregação – caso contrário, que proclamem sua adorável filosofia, mas esperem pelo pior. Todos aqueles que limitam-se a rezar deveriam perceber, de uma vez por todas, que o mundo continua girando. Primeiro vem a comida e depois a moral.