Se o comentário racista de William Waack matou a tese da democracia racial brasileira, a corrente em defesa do jornalista serviu para sepultá-la. Da prosa empolada de Demétrio Magnolli ao discurso bronco de Joice Hasselmann, o que se vê é um apanhado de argumentos rasos e preconceituosos que confirmam e reforçam o racismo entranhando na sociedade.
A lista é composta, além dos supracitados, por nomes como Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade, Mônica Waldvogel, José Roberto Guzzo, Gilmar Mendes e Silas Malafaia.
Em comum, eles consideram a conduta de WW um “erro”, um “gracejo”, e não uma manifestação explícita de preconceito passível de punição legal. Afirmam, com veemência, que o defendido não é racista e não pode ser julgado por uma opinião preconceituosa emitida em um ambiente privado.
“A frase emitida na esfera privada pode ser horrível (e é!), mas não equivale a uma sentença proferida na arena pública. Não se tem notícia de uma manifestação política racista ou um gesto de injúria racial do jornalista”, escreveu Magnolli.
J.R. Guzzo, em sua coluna na Veja, tocou no mesmo ponto. “O que William pensa ou não pensa, na sua vida pessoal, não é da conta dos seus empregadores, ou dos colegas, ou dos artistas que assinam manifestos. O princípio é esse. Não há outro. Ponto final”.
O primeiro equívoco deste argumento é o fato de que o comentário de WW não foi registrado em um momento íntimo. Ele estava no trabalho, acompanhado por outros profissionais e não em um regabofe. Experiente, sabia inclusive da possibilidade do momento ser registrado pelas câmeras.
Magnolli, Guzzo e também Reinaldo Azevedo insinuam, em suas defesas, que as opiniões pessoais de um jornalista não podem ser levadas em consideração ao julgar a conduta do profissional. Eles teriam razão se WW fosse flagrado tecendo comentários pessoais a respeito da conjuntura política ou dizendo amenidades como a predileção de fulano a beltrano na seleção de Tite.
Jornalistas dependem da credibilidade para exercer o ofício e não pega bem separar a figura profissional da particular, como fez Edson Arantes do Nascimento em relação a Pelé.
Reinaldo de Azevedo invocou não só a credibilidade mas também os atributos intelectuais do colega de profissão.
“Escolham os três jornalistas mais brilhantes de sua geração. Ele está lá. Escolham os dez mais importantes do jornalismo brasileiro de todos os tempos. Estará entre eles. Não conheço ninguém no país que tenha sua cultura em matéria de relações internacionais e que domine bibliografia tão vasta na área”, escreveu.
A louvação dos talentos de Waack só torna a situação pior, pois alguém com tamanha bagagem cultural tem todas as condições de medir as palavras e a entonação antes de soltar o repulsivo “é coisa de preto”.
Este menosprezo à gravidade do impropério, nas palavras de Augusto Nunes “um punhado de frases sem importância”, diz muito a respeito dos defensores de WW, sejam eles anônimos ou famosos.
Aspectos da divisão racial existente no Brasil expostos no percentual elevado de negros vítimas de homicídios e na quantidade ínfima de pessoas negras no magistratura, só para ficar em dois exemplos, foram ignorados na cruzada a favor de WW.
A tentativa de buscar o diálogo e compreender os ofendidos pelo jornalista foi trocado por ataque ordinários.
Augusto Nunes os chamou de “fanáticos extremistas, perdedores congênitos, patrulheiros esquerdopatas, cretinos fundamentais e idiotas em geral”. Sheherazade, de “esquerdistas acéfalos e medíocres de todas as nuances”. Para Joice Hasselmann são “babacas, patrulhadores recalcados, gente idiota”.
Com tanta cegueira em relação ao racismo, não será surpresa se no futuro algum desses reinaldos ou sheherazades for pego dizendo o abominável “coisa de preto”. Assim como não causará espanto a defesa intransigente vinda dos seus pares, porque em caráter de racismo o Brasil é uma potência.
Enquanto as leis do Jim Crow nos Estados Unidos e o apartheid sul-africano ficaram no passado, por aqui o racismo continua forte e enrustido.