Silvio Santos é, de fato – e seria hipocrisia negar – basicamente um patrimônio histórico da cultura brasileira – falta apenas, e isso urge, que seja tombado.
É impossível e indigno não reconhecer-lhe os méritos: a história de ascensão digna de livros de autoajuda, a coragem de colocar drag queens no palco em uma época em que drag queens não tinham nome, porque sequer existiam, e a autenticidade se sua figura.
Silvio Santos foi, como Chacrinha, marco de uma era, de forma que a memória brasileira, haja o que houver, não os esquecerá.
Há de se reconhecer, entretanto, que passou o seu tempo, como passa e passará o tempo de todos nós.
A ousadia de seu discurso – que, para a nova geração, beira o absurdo – tem se tornado deselegante e adstringente pra quem escuta.
O novo não suporta o que é antigo – não sem desmistifica-lo e remodela-lo – e o que é antigo (a exemplo do velho Silvio) impõe-se diante do novo, com a ousadia de quem já passou da idade de se importar com as opiniões alheias.
A senilidade de Silvio Santos e a certeza de seu poder, é claro, sejam talvez as responsáveis pela ousadia ácida, mas o fato é que o público – mesmo o público de Silvio Santos, que não é dos mais esclarecidos – já não tolera a intolerância tão escancarada que o velho Silvio aplica em seus discursos e em seu comportamento geral (como, por exemplo, bater a porta na cara de um ex-funcionário). São, a esta altura, intoleráveis o seu machismo, seu conservadorismos empoeirado e o seu óbvio desprezo de classes, e isso independe do que sua figura representou outrora.
Para além do mártir, há o ser humano, que, inesquecível ou não, já não é capaz de tornar o mundo um lugar mais tolerável – muito pelo contrário, aliás.
Silvio Santos é patrimônio histórico-cultural, mas precisa, urgentemente, ser tombado.