Ao derrubar a liminar que proibia a publicidade do governo que defende a reforma da Previdência Social, o desembargador Hilton Queiroz, presidente do Tribunal Regional Federal da 1a. Região atacou a juíza de primeira instância, ao dizer que ela praticou “grave violação à ordem pública” e “explícita violação ao principal constitucional da separação de Poderes”. A juíza havia acatado pedido da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que viu na ação do governo propaganda enganosa. O desembargador, ao invocar a ordem pública, fez um uso de um balaio onde cabe tudo.
Ordem pública é o estado de legalidade, e tudo que atenta contra esse princípio pode ser interpretado como violação. O furto de uma pirulito, por exemplo. Ou juízes e desembargadores que recebem acima do teto constitucional, caso di presidente do Tribunal Regional Federal, que recebeu este ano, em pelo menos um mês, salário acima do limite estabelecido pela Constituição, que é de R$ 33,7 mil, brutos. Foi em janeiro, quando ele levou para casa R$ 44.362,29 — livre de todos os descontos, portanto. Os vencimentos brutos de Hilton giram em torno de R$ 50 mil por mês, resultado da soma de itens assim definidos: “remuneração”, “vantagens pessoais”, “subsídios, função e comissão”, ‘indenizações” e “vantagens eventuais”.
Na média, Hilton Queiroz recebeu durante o ano, líquidos, R$ 31.500, acima do salário líquido de um ministro do Supremo Tribunal Federal como Luis Roberto Barroso, que em agosto mostrou seu contracheque para o jornalista da Globonews Gerson Camarotti: R$ 23 mil. Em entrevista ao Estadão, Barroso considerou que salários acima do teto equivalem à fraude. E é mesmo. Quando o teto foi criado, em 1988, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a ideia era estabelecer limite máximo de remuneração no serviço público. Diz Luiz Carlos Bresser-Pereira:
Nessa emenda cujo autor original fui eu, em minha qualidade de então ministro do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, foi estabelecido o “teto” dos servidores públicos: a remuneração dos membros do Supremo Tribunal Federal da época. Fizemos então um grande esforço para que ficasse claro que esse teto era “absoluto”, ou seja, incluía toda e qualquer vantagem recebida pelo servidor.
A emenda dizia o seguinte no art. 37 inciso XI:
“XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”.
A bem da verdade, é preciso dizer que Hilton Queiroz não é, nem de longe, exceção no Judiciário — em dezembro do ano passado, por exemplo, Sergio Moro, ícone do Poder, recebeu R$ 102.151,58. Mas o caso de Hilton Queiroz chama a atenção agora por ter ele se transformado numa espécie de sentinela dos interesses do governo Michel Temer, como observou o jornalista Bernardo Mello Franco, em artigo publicado hoje na Folha de S. Paulo. “A caneta de Queiroz virou uma tábua de salvação para Michel Temer. A cada vez que um juiz federal toma uma decisão contrária aos interesses do Planalto, os advogados da União vão procurar o desembargador”, escreveu.
Foi o que aconteceu com a medida que suspendia os leilões do pré-sal, a medida provisória que deu foro privilegiado ao ministro Moreira Franco, a reeleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara dos Deputados e o aumento dos combustível decorrente da elevação de alíquotas de tributos. Hilton Queiroz é um juiz federal desde 1984, quando deixou de advogar depois de dezoito anos. Atuou na Bahia, Estado onde se formou, em 1968. Em 1997, foi promovido, por antiguidade, ao cargo de desembargador, no TRF da 1a. Região.
Quando liberou o aumento do combustível, em julho, escreveu:
Com efeito, é intuitivo que, no momento ora vivido pelo Brasil, de exacerbado desequilíbrio orçamentário, quando o governo trabalha com o bilionário déficit, decisões judiciais, como a que ora se analisa, só servem para agravar as dificuldades da manutenção dos serviços públicos e do funcionamento do aparelho estatal, abrindo brecha para um completo descontrole do país e até mesmo seu total desgoverno.
Soaria mais sincero se magistrados como ele aceitassem, pelo menos, se adequar ao teto constitucional, para evitar “o completo descontrole do país e até mesmo seu total desgoverno”.