O PSOL nasceu com o desencantamento de políticos petistas com o pragmatismo do PT a partir do governo Lula.
Era uma bela ideia, mas, decorridos doze anos de seus primeiros ensaios, continua isso: uma bela ideia.
Não chegou a se transformar em partido, no sentido de uma organização com atuação estratégica em busca do poder.
Não o poder pelo poder, mas o poder como oportunidade concreta de executar ideias.
A entrevista de Marcelo Freixo à repórter Anna Virginia Ballousier, da Folha de S. Paulo, é o retrato perfeito de que o PSOL ainda não alcançou a maturidade, continua o partido com um discurso ajustado aos interesses da elite predadora do Brasil.
Mais ou menos como era o PT no início dos anos 80, quando até Andrea Neves, neta de Tancredo e estudante universitária, era simpatizante do partido.
Leonel Brizola, herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas, costumava se referir ao PT como a UDN de macacão e tamancos, por fazer o discurso moralista que a direita gosta e não representar um projeto alternativo de poder ao do grande capital.
Darcy Ribeiro, também pedetista, frasista genial, dizia que o PT era “a esquerda que a direita gosta”.
Substitua PT por PSOL e PDT por PT que as frases continuam fazendo sentido.
Marcelo Freixo foi militante do PT durante duas décadas, primeiramente como assessor do deputado Chico Alencar, de quem nunca se afastou, depois como parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Sofreu na carne as dores da violência, com a morte do irmão por milicianos. Não se acovardou, presidiu a CPI das Milícias e denunciou o tráfico de armas.
Por conta de ameaças, a convite da Anistia Internacional, viveu alguns meses fora do Brasil. Sua atuação inspirou um personagem do filme Tropa de Elite 2.
Por duas vezes, com tempo insignificante no horário eleitoral, foi o segundo colocado nas eleições para a prefeitura do Rio.
Com essa biografia, aos 50 anos de idade, Freixo se fez merecedor do respeito de toda a esquerda. É combativo e de ideias progressistas.
Mas, ao mesmo tempo em que se coloca do lado certo em muitas disputas, Freixo ainda não conseguiu se libertar dos mitos e dos heróis criados pela velha imprensa.
Escorregou na casca de banana quando foi até o fórum da Justiça Federal dar um abraço do juiz Marcelo Bretas, como parte de uma trupe de artistas.
Em comum, os dois têm um adversário: Sérgio Cabral. Para Freixo, ter adversários é a essência de sua atividade.
Já juiz em cruzada contra inimigos é um mal gigantesco para a democracia.
Freixo não enxergou assim.
Não viu no magistrado atuação tão danosa quanto a de Sergio Moro, ambos heróis criados pela Rede Globo.
A vida não é o roteiro de filme, nem um texto de novela, por mais sedutora que seja a ideia de estar próximo dos donos do espetáculo e de seus artistas.
O compromisso de um político é com sua base. E qual é a base de Freixo?
Ele tem base?
Pelo que respondeu na entrevista à Folha, não.
Freixo disse que tem construído a candidatura de Guilherme Boulos à presidência da república a partir de uma conversa que teve em casa com a mulher, Antônia Pellegrino.
“Conversávamos sobre o que é esta esquerda do século 21. Os olhos dela são meio que termômetro. Falei do Boulos, e arregalaram. Pensei: ‘Opa, ali tem caldo’’’
Ampliou a discussão para seu círculo de amigos, artistas e intelectuais.
“Levamos o Boulos na casa da Paula (Lavigne, ex-mulher do Caetano Veloso e articuladora política) para conversar com setores da intelectualidade, do meio artístico. Muitos não conheciam nada de MTST. As perguntas eram pertinentes. ‘O que vocês fazem é invadir a casa de alguém?’”
Em seguida, diante da pergunta da repórter se era esperto dividir a esquerda neste momento, respondeu:
“A gente vive um momento de reconstrução: qual esquerda a sociedade vai enxergar? Porque precisa enxergar o diferente. Não sei se esse é o momento de unificar todo mundo, não. Até porque a direita também está muito fragmentada: Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles…”
Freixo ainda detonou Lula, ao dizer que a postura de enfrentamento do ex-presidente é resultado da falta de alternativa, visto que a conjuntura o colocou nessa situação.
“Se estivesse ao seu alcance, faria todos os acordos que sempre fez”, disse.
Freixo se apresentou por inteiro, como ele é, e foi criticado no próprio partido.
“Confesso que, em 40 anos de militância, nunca vi um líder progressista fazer a afirmação externada pelo deputado Marcelo Freixo, em entrevista à Folha de S. Paulo. Para ele – numa conjuntura de golpe e de brutal regressão política e social – não é hora de buscar unidade, mas de acentuar diferenças entre as esquerdas”, disse Gilberto Maringoni, professor universitário, candidato do PSOL a governador de São Paulo em 2014.
Marcelo Freixo teve uma ideia genial ao tentar atrair Boulos para o partido. O líder do MTST dá ao PSOL o que lhe falta: base social.
Mas, com sua entrevista, tornou mais difícil a decisão de Boulos, que já vinha enfrentando resistência dos militantes do movimento, muitos deles identificados com o PT ou ligados aos sindicatos de base petista.
Freixo não agregou nada com a entrevista à Folha.
Exibiu apenas o sentimento psolista de rejeição ao PT, como um filho adolescente que busca se diferenciar do pai.
No final das contas, assim como acontece em família, o PSOL acabará descobrindo que tem mais semelhanças do que diferenças em relação ao PT, interesses comuns, objetivos parecidos.
Descobrirá também que há momentos em que é preciso manter a unidade — ainda que aparente — e persistir na busca do que une, não o que separa.
Está na hora do PSOL deixar a adolescência.