POR GUSTAVO CONDE, músico e escritor
Antonio de Almeida Anaquim, o atropelador assassino de Copacabana, matou e deve sofrer o rigor da lei, de preferência com júri popular. Cansa ver gente branca e do sexo masculino sendo protegida pela imprensa e pela justiça seletiva (e igualmente branca).
A tese do ataque epilético é cínica. Inacreditável que alguém acredite nela – sic. Ali, há indícios claros de um crime de ódio, variedade que se alastrou pelo Brasil depois do golpe e depois de tanto ódio ao PT (lembremos da carta daquele assassino de Campinas, que matou 12 no réveillon de 2017).
Reitero: a tese do ataque epilético é cínica. Há marcas de sobra no relato e na linguagem do assassino e dos policiais que caracterizam uma fraude. Falou-se em convulsão, falou-se que ele nunca havia sofrido um ataque antes, falou-se em apagão etc. Enfim, a velha desculpa esfarrapada de gente branca.
A desculpinha do “ataque epilético” é clássica. É uma das mais usadas para justificar acidentes graves de carro (basta perguntar a qualquer policial ou advogado), que envolvem claramente dolo.
A foto que estampou a home do Estadão de ontem mostra um sujeito sem o menor vestígio de arrependimento, frio e com um ar de cinismo no rosto, sendo levado muito tranquilamente pelos policiais e com a prerrogativa de responder em liberdade. Ele sorri.
Mas o que impressiona nessa história é a reação às fotos desse assassino na Globo. É um sinal de como essas duas instâncias (crime e Globo) estão simbolicamente juntas neste momento histórico do Brasil.
Todos sabemos que o ódio que subscreveu o golpe neste país foi estimulado pela Globo. Fosse o Brasil os EUA – esta meca da liberdade de imprensa, goste-se ou não -, a Globo já teria sido pulverizada – e seus donos presos ou obrigados a trabalhar para viver.
Nos EUA, as empresas de televisão são “livres” para defenderem suas interpretações dos fatos mas não podem fazer campanhas de ódio abertamente, campanhas políticas, campanhas racistas etc. Não há monopólio. Lá, a Globo nem poderia existir.
Ainda que o assassino não seja funcionário da Globo, é fácil de entender porque as pessoas ligam uma emissora de televisão que é tão odiada a ele. Isso ainda pode explicar as origens do ódio e da disfunção social que aqui foi implantada de maneira deliberada e criminosa.
É como se a Globo estivesse – no imaginário popular – ao volante, jogando seu carro para cima de pedestres, sem dó nem compaixão e com a certeza de que nenhum tipo de punição estaria nos planos da justiça que, a rigor, lhe obedece cegamente e trabalha em parceria.
Há ainda um fenômeno chamado ‘negação do pressuposto’ nessa história, um forte elemento de controle do discurso social. Globo e afins introduziram a tarja das fakenews no debate sobre o crime. É diversionista, em primeiro lugar, e auto acusatório, em segundo.
Porque negar que um criminoso seja seu funcionário, implica em admitir que essa relação funcional poderia ter algo a ver com o crime. Não tem absolutamente nada a ver. Houve assassinos no Estadão, na própria Globo (caso Daniela Perez) e em boa parte dos jornais e empresas espalhados pelo Brasil e isso – o vínculo – jamais foi um questão posta.
Insistir em negar o vínculo de maneira ostensiva e agressiva (como tuítes de Leilane Neubarth, apresentadora que tirou foto com o criminoso) é uma confissão histórica, em modo ‘denegação’: “eu não estou envolvida em crimes de ódio”; “eu não sou racista”; “não somos racistas”.
A Globo derrete por toda a corrupção fiscal que pratica, pela obsolescência de sua programação, pelo racismo endêmico que subscreve e finge que não vê, pela misoginia crônica recuperada em qualquer fala de repórter ou analista econômico, pela falta de credibilidade crescente de seu jornalismo e, agora, por essas conexões estranhas que vão aparecendo quase como um sintoma de seu apodrecimento.
O assassino de Copacabana é mais uma ferida que se abre nessa empresa obscura e monopolista que ruma impávida em direção ao desespero, tentando inventar candidatos, eliminar outros e controlar o processo eleitoral que é a sua única salvação de turno.
Falta combinar com o povo. Falta combinar com a história. Falta combinar com a democracia. Falta combinar com Lula.