Um novo trecho de Minha Tribo- o jornalismo e os jornalistas, o livro que estou escrevendo sobre a vida como ela é nas redações.
O maior atributo que um editor deve ter, na minha opinião, é a disposição para correr riscos. Só assim uma publicação estará a salvo da repetição de fórmulas que deram certo até o momento em que cansam e são vencidas pelo tempo.
Jogar seguro para um editor é, paradoxalmente, gerar problemas para a publicação duas ou três curvas adiante. O leitor não espera que um jornal ou uma revista seja a repetição, com data atualizada, daquilo que ele já viu.
O risco pode se apresentar ao editor em situações dramáticas ou quase corriqueiras.
Foi na segunda categoria que vivi um caso exemplar. A Tam administrara espetacularmente a crise que enfrentara, em 1996, com a queda em São Paulo de um avião da ponte aérea. Lidar com crises agudas distingue adultos de crianças no universo das empresas, e a TAM se saíra muito bem no caos. Seu dono e presidente, o Comandante Rolim, um gênio pitoresco e intuitivo que saíra do quase nada como piloto caipira e construíra uma companhia que era uma referência em atendimento e pontualidade, agira brilhantemente.
Rolim, um dos empresários mais inteligentes que conheci, tomou imediatamente a frente da crise. Fez toda a diferença. Ele se livrou da tentação de fugir da imprensa e da sociedade e deixar que executivos enfrentassem por ele as cobranças e as pressões naqueles dias de estresse extremo.
Por isso, e pelos bons números contábeis, fora um estilo de administração que encantava a clientela executiva, decidimos na Exame eleger a Tam, em 1996, a “Empresa do Ano”. Não era uma escolha simples, mas era a melhor.
Que iríamos enfrentar turbulências ficou claro quando, anunciada a decisão, a jornalista Marta Góes, um dos talentos então do jornalismo feminino da Abril, pediu imediatamente demissão da empresa, com estrondo indignado. Marta perdera um irmão no acidente.
Esse tipo de situação era um risco que sabíamos estar correndo. Teria sido mais confortável escolher outra empresa, mas estaríamos fugindo de nós mesmos e da responsabilidade de premiar a melhor história corporativa do ano.
A reportagem que fizemos foi um triunfo do bom jornalismo. Não elidimos nada. Tratamos o drama e os mortos com total respeito.
Fizemos nossa parte.
Surpreendentemente para nós, editores, Rolim na premiação não fez a dele. Se ele se comportara exemplarmente no gerenciamento da crise, fez o oposto ao receber o prêmio no Monte Líbano. Provavelmente por má influência de seus marqueteiros e de seus advogados, Rolim, lamentavelmente, não citou a tragédia do vôo 402 em seu pronunciamento.
Foi uma surpresa e uma decepção para os editores. Acompanhamos ansiosos o discurso frouxo de Rolim, na expectativa de uma menção que não viria.
A noite foi salva por uma pequena e brava mulher vestida de preto. Intrepidamente, ela se ergueu no auditório enorme e lotado do Monte Líbano e se dirigiu a Rolim em pleno palco. Era uma “viúva da Tam”, como ficaram conhecidas as mulheres de executivos mortos no vôo. Elas tinham fundado um grupo para concentrar suas reivindicações.
Como ela conseguira entrar no auditório é, até hoje, um mistério para mim. A entrada era controlada. Ela estava vestida de preto, como viúva que era, e os seguranças poderiam tê-la identificado com facilidade.
Ela também correu seus riscos ao entrar, sem ser convidada, para uma das maiores festas do empresariado brasileiro.
E foi bem-sucedida. Fez o que a revista tinha feito e Rolim, na premiação, não: colocou os mortos do vôo 402 num lugar de imenso destaque na trajetória da Tam em 1996.