É tentador chamar a Tuiuti de “campeã moral”.
O termo ficou desgastado depois da Copa de 78, quando o Brasil amealhou um terceiro lugar na Argentina, que comprou o Peru (é uma longa história).
Virou sinônimo de perdedor.
A Tuiuti recuperou o sentido original, límpido, da expressão.
Quem levou o trofeu foi a Beija Flor, você dirá. A Tuiuti ficou em segundo. São os fatos.
Pior para os fatos, como dizia Nelson Rodrigues. A campeã moral, absoluta, é a Tuiuti.
Milhões de brasileiros que não entendem um cazzo de Carnaval — como este que vos fala —, vibraram com as criações de Jack Vasconcelos e os homens e mulheres da escola.
A Tuiuti entrou na Globo para fazer uma crítica mortal à emissora em seu próprio quintal. Um cavalo de Troia na base da batucada.
Os comentaristas, atônitos, geralmente tagarelas, tiveram que se virar com piadas idiotas enquanto desfilavam coxinhas manipulados, Temer vampiresco, escravos. Gente criada pela Globo.
De quebra, a Tuiuti legou a palavra “manifestoche”, que merece ser dicionarizada pela precisão e inventividade.
Sem recursos, enfrentou escolas bancadas por bicheiros há décadas. A Beija Flor, cujo patrono é o “contraventor” Aniz Abraão David, conseguiu a proeza de falar de corrupção (em tom lavajateiro).
Não à toa, era a preferida da Globo. A Tuiuti era a predileta do povo.
Na Sapucaí, arrancou da arquibancada os gritos de “Fora Temer”, que se repetem em blocos de rua pelo país.
Numa festa artificial, milionária, feita para a TV, com seus camarotes, a Tuiuti recuperou o Carnaval e o entregou de volta ao brasileiro. Reconectou.
“No Tuiuti não somos escravos de nenhum senhor”, disse um dos compositores do samba da agremiação, Cláudio Russo.
Durante quatro dias, os brasileiros acreditaram que não somos de nenhum senhor.
É muito mais do que se poderia esperar de um desfile e o recado vai além da quarta feira de cinzas.
É campeã. Campeã moral.